Relações étnico-raciais, educação, escola,sujeitos emancipados – elementos para uma reflexão – exclusivo

Arlene Borges da Cunha

A Década Internacional dos povos Afrodescendentes, instituída pela ONU (2015/2024), é tempo por demais suficiente para refletirmos sobre as questões que dizem respeito não só às relações entre raças/etnias, ao combate ao racismo (envolvendo notadamente a raça negra em todos os quadrantes do mundo), mas, às que, de forma generalizada, se dão entre os indivíduos inseridos num todo social que, cindido entre forças produtivas e relações de produção, torna frágil a subjetividade dos sujeitos (então indicador de autonomia de um modelo social iluminista, de que somos herdeiros).

Numa sociedade em que prevalece o movimento das mercadorias e não o da ação humana, o contato com o outro se estabelece sob a égide do imediatismo, ou, apropriando-nos da linguagem freudiana, ao lidar com o próximo, percepções internas podem sobrepor-se às percepções externas, o que significa que, não mais em si, o sujeito identifica no seu semelhante sentimentos que recusa (embora lhe pertençam) aliviando-se da tensão que tal pulsão lhe provoca.

O preconceito, o alvo mais recrudescente, volta-se contra os negros (com quem este País tem uma dívida histórico-social de longo alcance) – que em nada difere do fenômeno a que é chamado antissemitismo – projeção negativa do indivíduo que, por negar o que está próximo, produz o rompimento (dialético) entre sujeito e objeto pela rejeição do que não lhe é igual, na medida em que, não se estabelecendo uma relação entre o que se projeta e o que se experimenta, resulta em atitudes de superioridade do eu, numa sociedade mediada pelo princípio da individuação. 

Neste sentido, na medida em que se constata nas relações sociais de toda ordem explicita ou tacitamente o primado do branqueamento do não idêntico, conduta inexplicável de uma sociedade indiferente a uma crítica objetiva da própria formação, faz-se necessário investir em políticas de reparação, de ações afirmativas, no intuito de combate à privação e violação de direitos.

Desta forma, não se pode deixar de dizer sobre a intolerância, estado social próximo à barbárie, cujo antídoto se localiza na prática humana da educação, quando dirigida à emancipação do sujeito que se educa.

Mas, a educação, a inicialmente tida como princípio esclarecedor das gerações, pode reduzir-se tão somente ao que os filósofos da Escola de Frankfurt chamam de semiformação, processo em que o pensamento não reflexivo se prende a conteúdos conformistas que remetem a muitos procedimentos antissociais a que hoje assistimos.

E, na medida em que educar/ser educado é, essencialmente, nos tornarmos prenhes de experiências ao longo da vida (aqui não nos referindo apenas às experiências inseridas no âmbito das ciências naturais, mas à aquisição da consciência de experiência, de cujo processo muitas vezes somos alijados por razões historicamente situadas) é que se faz imprescindível repensar o papel social que cabe à escola, numa sociedade que se tornou objetiva no seu modo de produzir-se e reproduzir-se a si mesma, num mundo em que ciência/tecnologia dissolvem qualquer tipo de experiência formativa.

A ela, posto que todos seus condicionantes são histórico-sociais, devemos recorrer. Instituição ímpar e necessária, quando se trata da formação para autorreflexão crítica,a única possível para que nunca mais se repita o horror de Auschwitz; a única possível de contribuir para nos desenvolver o pensamento autônomo, o qual eleve ao nível do conceito o que muitas vezes consideramos seguramente (enquanto sujeitos do processo ensino-aprendizagem) simples questionamentos do real.

A partir desta inequívoca condição, poderemos falar de (re) educação para relações étnico-raciais, o que significa, em outras palavras, sermos capazes de defender/ fazer respeitar o que é igual e ao mesmo tempo o que é diferente. Ou melhor, identificando na diferença o que nos assemelha e o que nos assemelha na diferença. 

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