Querem emplacar a Pedagogia que Nega a Vida

Tiago Tristão Artero

Diferente do que o Banco Mundial, Reforma do Ensino Médio e a BNCC dão a entender, nem sempre modernizar é bom. Estamos vivendo a Pedagogia que Nega a Vida, fruto dos tentáculos que se alongam com o seguinte pressuposto do capital: Lucro Acima da Vida. Para constar, este não é um “lado ruim” do sistema. Lucrar em decorrência das mortes é um dos princípios da forma “oficial” de organização socio-econômica vigente.

Geralmente, “modernizar” está relacionado a precarizar, dada a exclusão das alunas e alunos que não possuem sinal de internet suficiente, plano de dados móveis, notebook e ambiente/horário adequados para o desenvolvimento das atividades agora inseridas a distância. Por vezes, os pais e mães também não são escolarizados para dar o suporte nas atividades.

Para discutir educação a distância é preciso antes discutir educação.

É fundamental superar as contradições de maneira harmônica e integrada à natureza, ao meio ambiente (uma vez que, entendendo-nos como parte do meio ambiente, uma educação integrada a natureza é uma educação pelos direitos da natureza e, consequentemente, pelos nossos).

Em um país em franca precarização das relações sociais e econômicas (na indústria, na ciência, em pesquisas) as elites desejam que seja oferecido um ensino mínimo, somente para atender a formação de mão de obra. Por outro lado, busca-se elitizar uma educação (excludente) para uma mínima parcela da população, um elite dirigente.

A “modernização” posta pode servir de desculpa para intensificar este processo de exclusão, precarização e elitização da educação.

Diante do discurso de que a economia está de um lado e a vida está de outro, notamos que quem está colocando este antagonismo são grupos conservadores, de direita.

No processo que estamos vivendo a desigualdade está ainda mais escancarada. Ela se manifesta, por exemplo, na educação – falta de acesso ao ensino público, internet e livros, baixa escolarização dos pais e mães e não acesso a água.

Nos dados do IBGE, 10% das casas brasileiras não têm acesso à água, diariamente. São milhões de brasileiras e brasileiros. Se estendermos isto para comunidades indígenas próximas à área urbana (já que as que vivem distantes, necessitam de rios e fontes de água limpas), este número é maior ainda.

Por que isso ocorre?

Porque estamos num mundo em que o ser humano colocou-se como proprietário do planeta. Distanciou-se do restante da natureza, uma vez que ele mesmo é parte dela, embora não se reconheça.

Como diz Edson Kayapó, basta o planeta dar uma congeladinha por uns mil anos que a questão humana será resolvida e o planeta e suas formas de vida seguirão adiante.

Como tudo é considerado propriedade, até o conhecimento foi privatizado. Os saberes não podem ser utilizados sem que seu “dono” permita tal ação. Nem mesmo as patentes das tecnologias ou da indústria farmacêutica podem ser quebradas.

Não somente a nossa organização, mas nossas epistemologias, nosso antropocentrismo tem que ser revisto.

Temos que rever nossos conhecimentos, pois estão servindo para destruir outros conhecimentos que se harmonizam com a vida.

A pandemia deve ser um momento de revisão de método (da discussão presencial x EAD), mas, principalmente, das cosmovisões e epistemologias.

 Muitos dizem que iremos ou temos que voltar ao normal após a pandemia.

Não… Não podemos voltar ao normal.

Qual era o normal antes (e ainda)? Desigualdade? Depredação da natureza, da vida de maneira ampla e, também, da vida humana em benefício de poucos?

Devemos buscar outra coisa. Voltar ao normal, não! O antropocentrismo não pode mais guiar nossas relações com o mundo, a educação, as políticas públicas! Não somos soberanos.

Por exemplo, saberes indígenas e quilombolas, práticas corporais, permaculturais, agroecológicas e diferentes cosmovisões não devem somente estar presente no contexto escolar (como diz a Lei 11.645). Devem, também, PAUTAR a forma de organização escolar, institucionais, suas práticas, pesquisas e novas tecnologias na preservação/manutenção de todo tipo de vida.

Voltando a falar de educação a distância, mais importante do que rever o método de gerar ou transmitir conhecimento, é preciso entender a predação que nosso conhecimento está realizando sobre a vida e o abafamento de outras culturas e outros conhecimentos.

Inicialmente, é preciso dizer que a educação se efetiva nas práticas sociais e nas relações sociais. Este elemento fica extremamente prejudicado na Educação a Distância. A presença e interação é fundamental para esta efetivação.

As taxas de evasão da educação on line são, ao menos, o dobro do que as da educação presencial. Com alunas e alunos que se matricularam na educação presencial e terão que migrar para a educação a distância, estas taxas serão maiores.

Portanto, utilizar-se da pandemia para “emplacar” de uma vez a educação remota é um risco tremendo, considerando que somos o segundo país mais desigual do mundo. Claro que a comunicação não presencial é importante neste momento de isolamento. Não estou defendendo a volta desregrada ao ensino presencial neste momento. Estou alertando para o que, por vezes, não se diz. Observarmos a chance que as elites e grupos conservadores estão tendo de precarizar e elitizar a educação, com a desculpa de que estamos “modernizando”.

Sobre a educação pública, as tentativas de privatização são grotescas e os mecanismos para repasse dos recursos públicos para o setor privado estão se dando por meio de vouchers para que as estudantes e os estudantes utilizem em escolas particulares, mecanismo de financiamento que, infelizmente, não é novidade no ensino superior e que agora intensifica-se na educação básica.

A educação a distância, durante a pandemia, só vem agravar este processo. A mercantilização e privatização do ensino se torna mais profunda. Sabemos que no ensino a distância, em tempos de Escola sem Partido, a liberdade de cátedra é atacada, muito mais, no ensino privado, onde as demissões são recorrentes.

As fundações privadas estão viabilizando a educação a distância em parceria com operadoras de banda larga e incentivando o uso de plataformas (financiadas por estas próprias fundações).

Com o lucro acima da vida, o sistema não está mostrando seu lado ruim… ESSE É O PRÓPRIO PRESSUPOSTO DO CAPITALISMO!!! É o cerne dele, sob apelidos como modernização, empreendedorismo, atendimento às demandas produtivas…

Dizem que as/os estudantes não estão dando conta por falta de autonomia. Só diz isso quem não conhece a história do Brasil, sua formação e os pressupostos do capital, travestido de meritocrático.

As leis que intentam diminuir as atrocidades do sistema (muito pior do que as atrocidades da pandemia, diga-se de passagem) estão indo por água abaixo.

Efetivando o ensino a distância, sem antes resolvermos as desigualdades sociais (fato impossível no capitalismo), estamos dizendo para as alunas e alunos:

“Esta escola não é para você. Pode ir embora”

Enfim… podemos dizer que se um dia tivemos dúvida da possibilidade de efetivação do artigo 206 da Constituição de 88, o contexto atual coloca uma barreira ainda maior.

Sem a luta não haverá mudança e caso não nos mobilizemos urgentemente podemos entender como obsoleto a garantia constitucional abaixo:

Art. 206.O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;

VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII – garantia de padrão de qualidade;

VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.


Imagem de destaque: Marcos Santos/USP Imagens

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *