Quem foram as mulheres que configuram a Educação em Saúde e a Medicina Tropical no Brasil? Notas de uma história invisibilizada

Polyana Aparecida Valente

Denise Nacif Pimenta

O que a Educação em Saúde e a Medicina Tropical tem a ver com mulheres? No caso do Brasil, muito, pois foram as mulheres e sua produção científica que durante o pós-guerra, pela primeira vez, uniram as potencialidades da Educação em Saúde (na época sanitária) às demandas de prevenção e controle de endemias no país.

Apesar do tema sobre mulheres na ciência ter ganho destaque internacional e nacional a discussão sobre a inserção das mulheres no campo das ciências nem sempre foi algo valorizado. Na história da produção científica no Brasil ela foi invisibilizada e há um silenciamento histórico das presenças femininas nas ciências. A História das Ciências nos últimos 30 anos tem produzido importantes e volumosas reflexões sobre o tema. No entanto, os estudos geralmente giram em torno de instituições e figuras masculinas, tais como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Emanuel Dias, Samuel Pessoa, dentre outros. Tal silêncio contribui para a percepção social de que as mulheres estão ausentes das ciências, ou que, quando ali são identificadas, representam a exceção (Ferreira et. al. 2008).

Como salienta Ferreira, “essa invisibilidade constituiu mais um problema da historiografia do que da história, representando um obstáculo ao avanço da perspectiva inovadora, capaz de traçar um quadro no qual figurem não apenas um punhado de mulheres notáveis, mas também incontáveis anônimas que no Brasil, a partir dos anos 1940, entram de forma contínua e decisivamente nos laboratórios de pesquisa”. As transformações econômicas do pós-guerra permitiram um novo segmento social de classes médias urbanas a pressionar as autoridades para ampliação das condições de acesso à educação escolar, as quais destaca-se, a partir dos anos 1940, o aumento significativo das mulheres no ensino superior (COUTINHO, 2010). Paulatinamente as mulheres concluem o ensino superior e passam a ocupar a academia.

No Brasil, permanecem alguns vazios, dos quais evidenciamos o campo da Educação em Saúde na interface com a Medicina Tropical. Recentemente publicamos sobre a inserção das mulheres no campo da educação e medicina tropical. Tomando suas trajetórias como fio condutor, mapeamos preliminarmente a presença feminina entre os anos de 1950 e 1980 (VALENTE et al., 2019).

O pós-guerra, configura-se como ponto de inflexão do conceito de saúde e de reconfiguração da educação sanitária, com a formação de novos quadros técnicos, agendas políticas, novos coletivos e campos de conhecimento (BENCHIMOL, 2001; CHAVES, 2015). No entanto, por mais que houvesse uma agenda internacional e nacional propondo transformações com abordagens sociais, políticas e ambientais, as trajetórias femininas mostram que, são as mulheres que trabalham para horizontalidade e concretização dessas ideias, legitimando o campo.

As mulheres atuantes no campo Educação em Saúde durante os trinta anos de sua institucionalização eram, em sua maioria, pertencem às elites sociais e culturais, ligadas a redes de sociabilidades e origem social ligadas a famílias com notada influência política e/ou acadêmica. Ao longo de suas carreiras desenvolveram ampla e diversificada experiência docente. Podemos citar como exemplo as trajetórias de Hortênsia de Hollanda, Regina de Souza Martins, Angelina Garcia, Virgínia Schall, Maria José Anchieta Moreira Iannini, Tânia Valença (VALENTE et al., 2019).

Essas pesquisadoras circularam por diferentes espaços de produção do conhecimento na América Latina, Europa e, especialmente, na América Anglo-Saxônica. Isso possibilitou o intercâmbio com instituições e agências internacionais de pesquisa. Participaram ativamente em fomento de pesquisa, conselhos nacionais e regionais ligados à formação e associações de ciências, endossaram as cadeiras da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO).

Assim, a história da Educação em Saúde no Brasil ainda está por ser contada. Torná-la visível, do ponto de vista da produção e atuação feminina no Brasil é um desafio que está colocado desde a sua constituição. A presença da mulher na produção do conhecimento científico ainda é vista com resistência, configurando-se como luta histórica contínua. Que ao tornar visível a historiografia sobre a presença das mulheres nas ciências, seja possível outras formas de se pensar o mundo e os desafios que ele nos apresenta.

Referências

 BENCHIMOL, JL., coord. Febre amarela: a doença e a vacina, uma história inacabada [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001.

CHAVES, Bráulio Silva. Conhecimento, linguagem e ensino: a educação em saúde na história da ciência (1940-1971). Tese (Doutorado em Ciência e Cultura na História) – Departamento de História, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.

COUTINHO, Danielle Souza. Universidade, Ciência, Universitários: caracterização social e escolar dos estudantes de química da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (1939-1968). Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, 2010

FERREIRA, Luiz Otávio; AZEVEDO, Nara. Institucionalização das ciências, sistema de gênero e produção científica no Brasil (1939-1969). História, Ciências e Saúde. Manguinhos. Rio de Janeiro, v.15, suplemento, jun., 2008 p. 43-71

VALENTE A.P; DIEGUES A.C.C; FERREIRA L.O; PIMENTA DN. Presenças femininas no campo da medicina tropical e da educação no Brasil: as carreiras científicas de Hortênsia de Hollanda e Virgínia Schall. In: Medicina e ambiente: articulação e desafios no passado, presente e futuro. BENCHIMOL JL & AMARAL I (ORGS.). Editora Fino Traço, Belo Horizonte, MG. 2019. p. 295-317

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.


Imagem de destaque: Tânia Rêgo / Agência Brasil

 

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