Quando Educação é distração: o projeto ‘Se liga na Educação’

Carta sobre o Ensino de História, no projeto apresentado pela Secretaria de Educação de Minas Gerais à oferta de educação à distância, durante o período de isolamento social.

João Victor da Fonseca Oliveira

Considero que as formas criativas de comunicação e desenvolvimento de processos educativos são possíveis, e necessários, diante de uma pandemia. Ela mesma nos educa a todos, de diferentes formas. Contudo, qualquer resposta a esse desafio, sem comprometimento real com a qualidade da oferta, soa desproporcional e indiferente às variadas realidades, às quais o estado de Minas Gerais e a Secretaria de Estado de Educação deveriam responder com competência. Não tem sido assim. Tanto o material elaborado (“Plano de Estudo Tutorado”, ou simplesmente “Apostila”, expressão sintomática usada pelos alunos) quanto a exibição das aulas, veiculadas pela televisão, são propostas que, além de mal desenvolvidas, foram apresentadas à reboque aos professores que são, afinal, os primeiros responsáveis pela formação e letramento escolar de seus alunos.

Afora os problemas que esse tipo de proposta apresenta, desde sua elaboração, considero relevante tratar do seu conteúdo, uma vez que tem sido reafirmada a necessidade de que os alunos “aprendam”.

A perspectiva de Ensino de História em todo o material encontra-se completamente comprometida com modelos inadequados às próprias normativas que nos regem (Base Nacional Comum Curricular e Currículo de Referência de Minas Gerais), na medida em que se privilegia o conteúdo em detrimento às habilidades. Valoriza-se a forma e ignora o compromisso social relevante que qualquer projeto de formação, neste período em que vivemos, possa ter.

Já na primeira semana, para o Ensino Médio, foi proposto um modelo de conceituação básica, acrítica, homogênea de alguns fenômenos históricos (todos relacionados à uma visão eurocêntrica da história), além de sugerir caracterizações que não ultrapassam o antiquado modelo do “O que é isso?”. Por exemplo, em torno do “Iluminismo”, discute-se sua caracterização geral, numa lógica de simples identificação e associação. Quando se deveria refletir sobre a pluralidade e as tensões que envolvem a circulação de ideias no século XVIII e XIX (como até os nossos dias), e a discussão mais ampla sobre seus impactos e desdobramentos, cujos sentidos seguem sendo, ainda hoje, disputados no espaço público. Pautas fundamentais relacionadas às reivindicações iluministas têm, hoje, diante do enfrentamento da pandemia do coronavírus, possibilidades extremamente relevantes para o desenvolvimento das habilidades/competências, tais como: o de análise de fenômenos históricos; apropriação dos conceitos para leitura do mundo social, bem como participação efetiva na comunidade em que cada aluno vive. Todas essas possibilidades foram abortadas pela simplificação do debate à mera associação entre palavra-significado – mesmo que isso tenha sido feito com alguma engenhosidade.

No Ensino Fundamental, por sua vez, as habilidades relacionadas a identificação e conceituação dos fenômenos históricos foram minoradas. Parte dos links disponibilizados para os materiais complementares não abre. Além disso, a preciosa percepção das transformações e continuidades inerentes ao processo histórico, foi desconsiderada, em prol da construção argumentativa causa-consequência, que passa a ler os acontecimentos históricos como resultados de construções lineares. Quando muito, as disputas e conflitos (fundamentais nas relações humanas, ao longo do tempo) foram apresentadas de forma anedótica e pouco crítica.

Enfim, a abordagem conteudista e nada criativa na apresentação e tratamento dos temas históricos, além de pouco úteis para o desenvolvimento de habilidades e competências fundamentais, não oferecem uma resposta convincente e consistente em relação aos objetivos dessas aprendizagens, para o Ensino de História, no quadro social em que vivemos. Além de enfraquecer a aprendizagem significativa dos estudantes, continua acentuando desigualdades sociais no que tange ao Direito à Educação, confundindo-o com ofertas conteudistas, que funcionam como distração, antes de se configurar como aprendizagem histórica. Talvez, por isso, a sofisticação aparente que o nome do material possa sugerir (Plano de Estudo Tutorado) não tenha significado mais do que uma “apostila” para os alunos, cujas experiências denunciam a todo tempo a ineficácia desse projeto, diante do que se propõe.

Diante disso, que possamos pensar COLETIVAMENTE saídas mais justas e menos oportunistas que resultem em propostas menos alheias e indiferentes aos processos educativos socialmente relevantes.


Imagem de destaque:  Secretaria de Educação de Minas Gerais

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