Problematizações curriculares V – o regime de implementação da BNCC

Roberto Rafael Dias da Silva

Ao longo deste semestre assumi como compromisso – para fins desta coluna mensal – construir um campo de reflexão crítica acerca dos conceitos estruturantes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nesta edição concluirei este ciclo de estudos dirigindo um olhar atento para a questão das diferenças e das culturas locais e regionais no interior desta proposição curricular, visando a compreensão de seu regime de implementação. À medida em que os sistemas de ensino estaduais e municipais estão trabalhando na construção de suas propostas, penso que vale a pena avançar nesta questão; especialmente colocando em evidência alguns espaços de criação para que os professores exerçam seu protagonismo profissional neste processo.

Torna-se um lugar comum, neste momento, afirmar que a BNCC não se configura como um currículo em si mesma. O próprio documento, em sua introdução, reafirma que sua finalidade se encontra no delineamento de referenciais que subsidiem as propostas dos sistemas e das escolas. Sugere ainda que, dessa forma, busca resguardar a autonomia das redes e instituições e, principalmente, preserva um espaço para as particularidades de cada contexto serem levadas em consideração. Ou seja, parece haver um espaço pedagógico para dialogar com as culturas locais e uma possibilidade de referenciar o currículo em marcos mais plurais e situacionais.

Entretanto, ao examinar com atenção os documentos já publicados por redes municipais e estaduais de ensino, é fácil constatar certa lógica padronizadora que perfaz a construção destes documentos. Os textos curriculares produzidos nos sistemas de ensino, via de regra, pouco avançam em relação à BNCC e, mais que isso, cristalizam princípios bastante abrangentes e distantes das culturais locais. Seguindo os estudos do professor Antônio Flávio Moreira, reconheço que as políticas curriculares deveriam levar em consideração dois princípios básicos, quais sejam: “revalorizar o conhecimento escolar e atribuir importância aos fenômenos culturais mais amplos”. Ainda de acordo com Moreira, sob tais princípios, poderíamos delinear uma “qualidade negociada via currículo”. Esta concepção incentivaria “um processo contínuo de interação e de inovação, centrado na criatividade dos professores e das escolas e na sua capacidade para, constante e coletivamente, definir, avaliar e retificar o processo pedagógico”.

Resulta paradoxal, em minha leitura, que os sistemas de ensino reivindiquem possibilidades de criação pedagógica na elaboração de seus currículos e que, em seus processos de tomada de decisão, reforcem uma lógica padronizadora. Como tenho sinalizado neste espaço, não defendo a concepção de currículo materializada na BNCC e não reconheço sua potencialidade para a garantia de qualidade e equidade; entretanto, pontuo que os sistemas de ensino – por meio de uma leitura crítica e criativa – poderiam fabricar pequenas “insurreições curriculares”. As equipes pedagógicas das redes de ensino, as produtoras de material didático, as consultorias contratadas e os próprios conselhos de educação não têm conseguido apostar no protagonismo das escolas e, mais importante, distanciam-se das questões da vida cotidiana, das culturas locais, dos interesses das crianças e adolescentes e de quaisquer habilidades com foco nas demandas contemporâneas. Para aqueles que ainda se interessam em avançar neste debate, uma última recomendação: apostem em modelos de inovação com fortes traços comunitários e assentados em dispositivos de governança escolar democrática!

Imagem de destaque: MEC

 

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