Problemas educacionais advindos da concepção de ser humano fragmentado

Tiago Tristão Artero

“Se você bagunçar, vai ficar sem participar da aula de Educação Física. Não participará da aula de Arte, também”. Afinal de contas, matemática e língua portuguesa são atividades intelectuais?

Desde que Platão organizou a dicotomia “mundo das ideias e mundo real (sensível)”, conceito tão bem refutado pelos estudiosos da corporeidade, criou-se a dicotomia entre corpo e mente.

Em geral, os povos orientais já se guiavam pela noção de ser humano integral, daí a ideia de uma medicina integrada, diferentemente dos povos ocidentais que, com uma visão fragmentada, referem-se ao corpo como uma parte do ser humano, excluindo a mente desse processo.

O problema mora nessa concepção. Olhando em termos educacionais e, até mesmo de políticas públicas, como podemos imaginar um ser humano fragmentado? Os impactos são enormes. O embasamento lógico para imaginarmos que um aluno que frequenta a aula de matemática está desenvolvendo uma atividade intelectual ou um aluno que está na aula de Educação Física está desenvolvendo uma atividade corporal, é incoerente.

Vamos tomar como exemplo a Educação Física (seja em uma atividade voltada à psicomotricidade, estabelecimento de relações sociais, desenvolvimento da consciência corporal, dança, arte marcial, esporte, coordenação motora fina, entre outras), será que o corpo do aluno foi sozinho para a quadra e sua mente ficou em sala de aula? Oras, o cérebro está naquele corpo e não é possível dissociar mente e cérebro, nem mesmo o cérebro do restante do corpo. A cada movimento, a cada decisão tomada na atividade realizada, a cada mediação desenvolvida, todos os mecanismos responsáveis pela aprendizagem estão presentes e em ação contínua. O intelectual não poderá ser dissociado do corpo físico, pois, não há meios para justificarmos tal divisão.

Já em uma aula de matemática… quanta maldade há em entendermos que somente a mente dos alunos está presente na sala de aula. Onde estaria o corpo, então? Inerte? Necessário seria que, em uma visão integrada de ser humano, os professores pudessem perceber que as crianças e jovens estão “por inteiro” em suas aulas. Como eles estão “inteiros” na aula, não podem ser tratados como se fossem somente um intelecto fragmentado. Assim, o corpo, estando indissociavelmente presente naquele ambiente, também deve participar da aula. Devemos oportunizar o uso das mãos, do corpo, das diversas possibilidades educativas ao incluirmos o movimento intencional nas diferentes disciplinas (língua portuguesa, história, geografia, entre outras). Onde estão as representações por meio de esquetes dos fatos históricos? Por que os alunos, muitas vezes, não são apresentados a uma balança gastronômica (valor 15 reais) ou uma fita métrica (5 reais), cronômetro, entre outros recursos, que colocariam seu corpo em movimento pela experimentação, elaboração de conclusões lógicas e abstrações relevantes? Quanta relevância há, por exemplo, em uma aula de Arte, se pensarmos que ela pode e deve estar presente em todas as disciplinas escolares.

Então, os professores e coordenadores, até mesmo os profissionais de Educação Física e Artes (estes citados com maior veemência, devido à importância mencionada no tema presente) têm, por relevância social e educacional, que entender e colocar em prática esse conceito de ser humano integral, não dicotomizado, pleno. Não há possibilidade de educação efetiva sem que tratemos os seres humanos como, de fato, eles são, com suas necessidades, interações e possibilidades.

Portanto, penalizar uma criança ou jovem a ficar sem a aula de Arte ou Educação Física é negar toda organização curricular e relevância do papel de cada disciplina, desrespeitando sua função. Da mesma forma, negar que a criança esteja por inteira nas disciplinas chamadas “intelectuais”, é negar seu desenvolvimento e impedir que a relevância daquele conteúdo trabalhado seja apreendido e faça parte do arcabouço cognitivo do indivíduo aprendente.

Para finalizar, o equívoco em achar que algumas disciplinas são “corporais” é o mesmo em entender que há disciplinas “intelectuais”. A limitação e ignorância em entender que o corpo não está presente nas disciplinas que se desenvolvem com os alunos sentados (um erro, no mínimo, logístico) é o mesmo em achar que a abstração cognitiva e as relações intelectuais (provenientes das associações realizadas) não estão presentes nas disciplinas em que o aluno, geralmente, está em movimento na quadra esportiva ou em uma sala de dança.

Fecho com o pensamento de Galo (2002) sobre a concepção de Bakunin:

“[…] para que uma pessoa possa assumir sua liberdade é necessário que ela se conheça, se conheça por inteiro: se descubra como um corpo, como uma consciência, como um ser social, tudo isso integrado e articulado. E é por isso que uma educação para a liberdade deve ser também uma educação integral, em que o homem se perceba e se conheça em todas as suas facetas”.

Vamos refletir!!!

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