“Precisamos aprender que somos mais do que o que dizem que somos"…na escola? Com o cinema? – exclusivo

Marília Sousa Andrade Dias

Inspirados por Eduardo Galleano, discutimos sobre a constituição da identidade cultural no mundo em que vivemos e suas possíveis relações com a escola e o cinema numa perspectiva pós-colonial. Vívian Urquidi (2001) explica que, a partir do momento em que o homem percebe diferenças e semelhanças entre sua comunidade e as demais, ele toma consciência de seu pertencimento a uma cultura. Constrói sentidos que influenciam e organizam suas ações quanto a concepção de si mesmo e dos outros. Na esfera dos processos de constituição destas identidades culturais, é por meio da educação que as novas gerações aprendem e atualizam tais pertencimentos, reforçando ou rompendo imaginários colonizadores e eurocentristas acerca da ideia de nação.

Documentos internacionais como a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, elaborado durante a Conferência de Jomtien (1990), apontam a instituição escolar como o local privilegiado para que a educação se realize. Entretanto, a despeito disso, Mc Cowan (2011) defende que existem limites de igualdade entre educação e escolaridade, visto que a escola pode satisfazer o direito à educação, mas não é uma condição necessária nem suficiente para isso. Grande parte do processo educativo não se dá na escola, visto que a educação se dá em meios distintos, que podem ou não serem complementares, a exemplo do cinema.

Nas sociedades contemporâneas, faz-se necessário reconhecer a incontestável força da imagem e da linguagem audio visual nas estruturas simbólicas. Não é mais possível que a escola silencie ou desconheça essas outras linguagens. Neste sentido, faz-se necessário entender que, embora os recursos midiáticos facilitem a experiência com a linguagem audiovisual, ainda são poucas as oportunidades de aproximação entre escola e obra cinematográfica, entendida como arte da memória, individual e coletiva, que vai além da indústria cultural e do puro consumo.

Nos países da América Latina, o audiovisual pode constituir um referente importante para a colonialidade do poder e do saber. Está inscrito no que Quijano (2008) chama de racialização das relações de poder: enxergar o outro como dominado e colonizado a partir do conceito de raça. O cinema, além de informar e divertir exerce um papel estratégico na disseminação e afirmação das identidades culturais. Filmes carregam em si a visão da cultura que o originaram, refletindo seus valores, crenças e comportamentos. O cinema norte-americano, por exemplo, hoje o mais acessível à maioria da população, recria e representa identidades culturais que vigoram em nosso imaginário coletivo, robustecendo o olhar do outro sobre aquilo que não somos ereforçando a invisibilidade daquilo que somos. Tal situação constitui um desafio e mais uma responsabilidade para os docentes, que vão exercer um papel importante na formação de espectadores emancipados, na expressão de Rancière (2010), sensíveis e críticos, sobretudo ao caráter hegemônico conferido ao colonialismo cinematográfico ao qual estamos expostos.

Estudos realizados por pesquisadores brasileiros e latino-americanos sobre o uso do cinema na escola permitem refletir acerca da experiência de uma sensibilização do olhar em que seja possível explicitar as múltiplas emoções que um filme pode provocar. Esses estudos defendem que a estratégia mais promissora para integrar o cinema ao currículo escolar consiste em permitir que os filmes desestabilizem certezas dos estudantes a respeito do próprio cinema, do mundo, da vida e das pessoas. Filmes instigantes e exercícios de criação fílmica podem fazer com que docentes e discentes se apropriem da linguagem cinematográfica como perspectiva de reflexão e elaboração de suas identidades culturais, sobretudo na perspectiva da alteridade.

Desses pontos de vista, as dimensões ética e estética do cinema podem contribuir para dar visibilidade às diferenças étnicas, culturais, sociais, de gênero, geracionais, dentre outras, presentes nas sociedades e culturas latino-americanas e, consequentemente, dentro das escolas. Sem fazer mais do mesmo para o atendimento às demandas e necessidades educativas da população, conforme aponta Fanfani (2011), ações e práticas docentes inovadoras podem possibilitar encontros, desencontros, reencontros, vivências e experimentações com cinema na escola. Podem possibilitar outros modos de ensinar, de aprender e desaprender, de ver e criar, de sentir e pensar.

Retomando a fala de Galeano, também referendada em Quijano (2008),o cinema, as atividades e exercícios fílmicos na experiência escolar seriam uma possibilidade de sensibilizar nosso olhar para outra imagem de nós mesmos. De interrogar o que já está instituído. De construir novos modos de ver o mundo. E deixar de ser o que não somos através de uma (re)descoberta de si e do outro.

REFERÊNCIAS:

McCOWAN, T. O direito universal à educação: silêncios, riscos e possibilidades. Práxis Educativa.Universidade de Ponta Grossa, v.6, n. l, jan-jun, 2011.

QUIJANO, A. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. In: ROSENMANN, M. R. Pensar América Latina. El Desarrollo de la sociología latinoamericana. Buenos Aires, Clacso, 2008.

RANCIÉRE, Jacques (2010). O espectador emancipado. SP: Editora WMF Martins Fontes.

FANFANI, E. T. La escuela y la cuestión social: ensayos de sociologia de la educación. Buenos Aires: Siglo XIX, 2011.

URQUIDI, V. Questão nacional na Teoria Social Latino-americana e o Plurinacionalismo como questão. ANPOCS, 2012.

*Marília Sousa Andrade Dias é professora da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação – Doutorado Latino-Americano em Educação: Políticas Públicas e Profissão Docente

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