Por uma pedagogia antirracista, em defesa dos direitos humanos!

José Heleno Ferreira

Diretora escolar pede aos alunos e alunas que lhe tragam um chicote dos bons para que ela possa lembrar a professora negra do tempo sobre o qual ela tanta fala. O fato ocorreu no dia 04 de fevereiro deste ano, num colégio de Maceió (AL). Diante da reação de estudantes, pais e mães, a diretora pediu desculpas, alegando que foi uma brincadeira e ela não era racista e que inclusive havia contratado uma professora negra, embora pudesse ter contratado uma banca no seu lugar.

O fato veiculado na imprensa nacional no início do mês de fevereiro deste ano choca-nos pelo que tem de grotesco, mas não se configura como um ato isolado, muito menos como uma situação discrepante da realidade cotidiana das escolas brasileiras.

A escola é um espaço sociocultural, no qual os sujeitos não são meramente passivos. Nas salas de aulas, nas atividades pedagógicas, alunas e alunos, professoras e professores estabelecem relações nas quais manifesta-se a diversidade étnica, religiosa, cultural, de gênero, social e, obviamente, os conflitos – e as possibilidades de trabalho – advindos desta diversidade.

Na escola brasileira, historicamente, negros e negras convivem com piadas, gestos, olhares, ridicularizações, comparações animalescas que, quase sempre, são tratadas como brincadeiras e têm como resposta a retração por parte daqueles e daquelas que são ofendidos e o silenciamento dos não negros, muitas vezes diante do argumento de que não vale a pena potencializar o conflito e explicitar o racismo velado que tais atitudes revelam.

Além disso, negros e negras convivem com as ausências curriculares sobre a história dos afrodescendentes e dos africanos, o que fortalece preconceitos e alimenta estereótipos acerca da África e da história do povo negro. Cotidianamente, convive-se também com a criminalização das culturas negras das periferias, como historicamente se fez com a capoeira, com o samba e atualmente se faz com o funk, e a afirmação da cultura letrada como legítima manifestação cultural brasileira.

O silêncio escolar diante do racismo velado – e muitas vezes explícito – alimenta o mito da democracia racial e uma organização social que nega o racismo, mas mantém ideias negativas a respeito dos negros e negras. Ideias essas que se materializam em atitudes como as aqui relatadas e discursos que fazem referência ao “negro de alma branca”, ao “cabelo ruim”, ao “serviço de preto” e tantos outros mais.

Do ponto de vista pedagógico, temos como consequência, alunas e alunos não brancos retraídos e desmotivados, num processo que beira a autoexclusão, embora não seja possível afirmar que não tenham sido excluídos pelas práticas racistas ao longo de suas histórias. É muito comum, em nossas salas de aula, encontrarmos meninas e meninos negros que não acreditam na escola e na possibilidade de serem ali reconhecidos e reconhecidas. E assim, numa atitude de autoproteção, desistem da escola e dos processos de ensino e aprendizagem. E diante disso, professoras e professores comumente responsabilizam crianças e adolescentes pobres e negros pelo fracasso escolar, alimentando um círculo vicioso.

Diante de uma situação que se perpetua na realidade escolar brasileira, muitos professores e professoras se perguntam se uma educação antirracista pode ser eficaz. Tal pergunta precisa ser respondida, com firmeza, por todos e todas que não aceitam o racismo e a exclusão de negros e pobres dos processos de ensino e aprendizagem. Sim, uma educação que combata o racismo precisa ser construída cotidianamente por todos e todas nós e, sim, pode ser eficaz.

Para além da Declaração Universal dos Direitos Humanos que, em seu artigo 26, tratando da educação, estabelece a importância de um processo educativo que contribua para a expansão da personalidade humana e o respeito à diversidade, temos no Brasil, um instrumento legal, a Lei 10639/03 que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. É preciso lembrar que esta lei, promulgada em janeiro de 2003, é fruto das lutas do movimento negro e busca reparar os silenciamentos acerca da história e da cultura do povo negro nos currículos escolares do País. Reparar os silenciamentos e romper com uma história única sobre a África e sobre negros e negras. Afinal, reduzir a história de africanos e afro-brasileiros a uma história de sofrimento, terror e submissão, reafirma um legado étnico de exclusão e baixa autoestima.

Apresentar e discutir a história de um continente que, quando enfrentou o terror da escravidão, possuía tecnologias, culturas e organizações sociais e políticas tão ou mais avançadas que muitas nações europeias, apresentar a riqueza da diversidade cultural do povo africano pode contribuir para o desmonte desta história única. Obviamente, não se trata de negar os horrores da escravidão, que precisam sim ser lembrados e denunciados. Mas é preciso também trabalhar as referências culturais e históricas positivas do continente e do povo africano.

Contribuir para a formação de uma consciência emancipatória de negros e não negros é necessário e possível. Para isso, há que se optar pela pedagogia do conflito, negando o silenciamento diante do racismo. Ao invés de silenciar e tornar-se cúmplice dos atos velados ou explícitos de racismo nas salas de aulas e nos processos pedagógicos, precisamos assumir os conflitos, enfrentando e desconstruindo os modelos epistemológicos vigentes.

Trata-se, pois, de tecer a esperança. De alimentar o inconformismo e a indignação.


Imagem de destaque: Andre Hunter / Unsplash

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