Pobreza, desigualdade social e democratização escolar: experiências na cidade de Vitória/ES

Denise Pinheiro Quadros*
Renata Duarte Simões

Em finais da década de 1980 e início da década de 1990, intensificaram-se os debates sobre a democratização escolar enquanto garantia de direito social. Os processos de ampliação do acesso a sujeitos até então excluídos das escolas impactaram nos modos de ver e pensar os sistemas de ensino. O percurso histórico nos apresenta que a universalidade da educação fundamental inseriu a população em situação de pobreza nas escolas, anteriormente distanciadas por diferentes motivos, o que impulsionou transformações necessárias para esse adentrar ampliado. O direito ao acesso passou a vir acompanhado do direito de aprender, entendido como permanência e sucesso, contudo, sempre em tensão e disputa, uma vez que essa população pobre ainda sofre os processos de desigualdade marcados pela hierarquia social.

Assim, cabe perguntar: o que representa acesso, permanência e sucesso escolar nos dias de hoje? Temos políticas pensadas e instituídas para todos? Em quais escolas estão inseridos os OUTROS – sujeitos empobrecidos, oprimidos, alijados do acesso aos direitos básicos, como destacou Arroyo (2012)?

No sentido de levantar respostas a algumas dessas perguntas, no município de Vitória, situado no Estado do Espírito Santo, a Escola Municipal de Ensino Fundamental da Educação de Jovens e Adultos “Prof. Admardo Serafim de Oliveira” vem buscando garantir a esses OUTROS o acesso a uma educação de qualidade, reformulando práticas que desconsideram as condições sociais dos sujeitos em vulnerabilidade social.

A escola Admardo funciona com oferta de Educação de Jovens e Adultos (EJA), tendo um espaço físico chamado de Sede e 10 outros localizados em diferentes bairros da cidade, totalizando 25 salas de aula, entre os turnos matutino, vespertino e noturno. Seu público é constituído por sujeitos invisibilizados e/ou “expulsos” do processo de escolarização, discriminados pela condição econômica e social a que foram submetidos historicamente, sujeitos em situação de rua, indivíduos em conflito com a lei, idosos, alunos com deficiência, catadores de lixo, etc. Tal condição resulta em dizer que expressiva parcela do público atendido pela escola vive em condição de pobreza ou extrema-pobreza, são os excluídos socialmente.

A escola em questão surge por meio de reivindicações sociais e acadêmicas, constituindo-se como um espaço escolar com salas de aulas distribuídas pela cidade de Vitória, buscando atender os indivíduos marginalizados, respeitando e acolhendo as particularidades de seu público, de modo a considerar os locais de trabalho, horários disponíveis e a própria composição de turmas, pois apresenta o cuidado de aproximação com os diferentes sujeitos.

Pensar a organização da escola Admardo implica em reconhecer as escolas como espaços de acolhimento dos sujeitos plurais, empobrecidos, requisita refletir sobre como elas estão (re)organizando-se, (re)inventando-se para contribuir para a transformação social e para a mudança de condição de vida dos alunos. A escola em questão representa uma experiência ímpar, com mais de 10 anos em atividade na cidade de Vitória, com resultados importantes na formação dos estudantes, garantindo-lhes acesso ao ensino médio/superior, bem como inserção no mercado de trabalho.

Potencializar o diálogo com os atores da escola Admardo e contribuir com as reflexões existentes, debatendo não só sobre o acesso, mas também sobre a permanência e a qualidade de ensino, pensando na garantia de direitos como política de enfrentamento da pobreza e da extrema pobreza, torna-se objeto de investigação em pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação do Mestrado Profissional em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, que busca viabilizar, a partir do mês de outubro, um Curso/Formação sobre pobreza e desigualdade social, de modo a colaborar com o processo de democratização escolar.

Em âmbito municipal, Vitória pauta a democratização, nos anos 1990, com a promulgação da Lei Orgânica, buscando assegurar o amplo acesso e a qualidade da educação a todos. No entanto, é possível observar as fragilidades desses processos, uma vez que é comum encontrarmos muitos sujeitos em idade escolar fora da escola, destacadamente os mais empobrecidos (muitos jovens e adultos analfabetos, número elevado de alunos que compõem as estatísticas de evasão escolar e de repetência, entre outros fenômenos que precisam ser problematizados como negação de direitos).

No Estado do Espírito Santo, os dados apresentados pelo Instituto Jones Santos Neves (IJSN), em 2017, mostram que cerca de 1/3 da população vive sem condições dignas e não tem acesso às políticas públicas. Esses milhares de estudantes empobrecidos precisam ser reconhecidos como sujeitos de direitos para que a escola assuma o papel de instância acolhedora da diversidade, de modo a contribuir para que visões moralizantes sobre a pobreza sejam superadas, dando espaço às trajetórias de vida, às condições sociais de ser e viver.

Se as matrículas estão concentradas na rede pública, absorvendo a população em situação de pobreza, entendida em suas múltiplas facetas e não somente pelo viés econômico, é urgente pensar os movimentos das escolas situadas em contextos empobrecidos. É preciso problematizar os programas de transferência de renda, as condicionalidades no tocante à educação, a insuficiência do papel das escolas quanto à função de superação da pobreza, ou mesmo quanto à dependência política e social ao Estado. Contudo, isso não significa negar os resultados alcançados por essas políticas, significa pensar a necessidade urgente de ampliar a luta, de resistir às condicionantes impostas pelas injustiças sociais e fazer com que o Estado assuma seu papel diante das desigualdades identificadas, conferindo-lhe o cumprimento de sua obrigação constitucional.

 

REFERÊNCIAS

ARROYO, M. Outros sujeitos, outras pedagogias. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.

VITÓRIA. Lei Orgânica do Município de Vitória, de 05 de abril de 1990.

 

 *Aluna do PPGMPE/Ufes.


Imagem de destaque: Alunos da Emef EJA. Professor Admardo Serafim de Oliveira em processo de criação de horta comunitária – Fonte: Divulgação Seme/Prefeitura de Vitória.

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