Pensar em uma educação pós-coronavírus

Christian Lindberg

O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, no dia 28/04, o parecer que regulamentou a medida provisória nº 934/2020, talvez a principal ação do Ministério da Educação em tempos de pandemia de COVID-19. Como se sabe, a MP/934 estabelece normas excepcionais para o ano letivo da educação básica ao ensino superior, encontrando-se, atualmente, em tramitação na Câmara dos Deputados.

A MP, além de atingir professores e técnico-administrativos da educação de forma direta, interfere na rotina de mais de 50 milhões de crianças e jovens. Isso reflete, em certa medida, a dimensão da epidemia, tido por muitas autoridades políticas e científicas como a maior tragédia que a humanidade viu desde o fim da 2º Guerra mundial.

O parecer aprovado orienta medidas a serem tomadas pelas redes de ensino, pública ou particular, ações que contemplam a Educação infantil, Educação básica e superior, Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação especial, Educação Indígena, do Campo e Quilombola.

A resolução toca, ainda, em um ponto muito delicado, a realização das avaliações em larga escala, a exemplo do ENEM e do SAEB. Como se sabe, a data do ENEM foi mantida e o ministro da educação, Abraham Weintraub, tem sido intransigente quanto a mudança da data.

Grosso modo, a deliberação do CNE autoriza a oferta de atividades não presenciais para o cumprimento da carga horária anual em todas as etapas de ensino. Assim, estão permitidos o ensino a distância (EaD) ou o envio de materiais impressos para a residência dos estudantes, ações que serão contabilizadas como dia letivo de aula.

Além disso, a resolução orienta que os alunos não sejam reprovados no atual ano letivo e indica que as aulas presenciais podem ocorrer aos sábados e no período reservado para o recesso escolar. O ano letivo de 2020 pode terminar em 2021, desde que não comprometa o número de dias letivos do próximo ano.

Os integrantes do CNE aprovaram a resolução de acordo com algumas preocupações. A primeira delas refere-se à garantia do direito de aprendizagem durante e pós-pandemia, principalmente os itens prescritos na Base Nacional Comum Curricular.

Outro aspecto que destaco diz respeito à mobilização dos professores e dirigentes dentro das escolas. Sem o ordenamento das atividades pedagógicas e sem a presença deles, a realização de qualquer processo educativo dificilmente se viabiliza.

O que motivou a aprovação dessa resolução foi a postura omissa do MEC. Como se sabe, cabe ao MEC o papel de articulador do sistema nacional de educação e isso não tem sido feito. Digo isso porquê a LDB prevê, nos artigos 24º e 47º, prevê a flexibilização da carga horária mínima destinada aos estudos anuais, ou seja, era só o MEC baixar uma portaria e pronto.

As entidades acadêmicas do campo educacional, a exemplo da ANPED, ANFOPE, ForPIBID/RP, etc., manifestaram opinião rechaçando, sobremaneira, a adoção da modalidade EaD para substituir as aulas presenciais. Em um documento publicado recentemente, elas argumentam que “o estado de calamidade pública causado pela pandemia não pode ser utilizado como pretexto para ferir os princípios constitucionais e, em especial, o direito à educação de qualidade de todas as crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos”.

Como solução, as entidades propuseram que a reorganização do calendário escolar deve ser assegurado de forma presencial, assim que a pandemia esteja superada, por entender que este é o melhor modo de garantir o acesso à educação, em igualdade de condições, para todos.

Outro ponto diz respeito à realização das avaliações em larga escala. A exemplo do que foi aprovado na resolução do CNE, elas sugeriram que a realização, em 2020 ou no primeiro semestre de 2021, de quaisquer avaliações em larga escala não aconteça.

Penso que há um conjunto de opiniões bem balizadas sobre a efetividade ou não do uso do EaD na educação, principalmente na infantil e básica. Não pretendo, nesse momento, entrar nessa discussão, até porque, uma situação é usar Tecnologias da informação e comunicação (TIC’s) em atividades complementares, outra situação é liberar o uso do EaD.

Por outro lado, não custa lembrar que a lei nº 13.415/2017 permite que 20% da carga horária anual do ensino médio possa ser via EaD. No caso do ensino superior, a legislação permite a destinação de até 40% da carga horária dos cursos presenciais. Nas duas situações, esta medida precisa constar no projeto pedagógico do curso.

O que devemos começar a pensar, no meu modo de ver, é procurar identificar qual será o legado dessa possível experiência na instituição escola. Em outros termos, o que as entidades sindicais, associações acadêmicas, movimento estudantil e cidadãos comprometidos com a melhoria da escola pública precisam colocar na agenda de reivindicações o mais rápido possível?

A universalização do acesso à internet de banda larga para todos os estudantes e professores, do ensino fundamental ao superior. O acesso à tecnologia e aos instrumentos tecnológicos (notebook, computador, tablet, etc.) é um dos obstáculos para o incremento das TIC’s em sala de aula.

As políticas de formação docente, inicial e continuada, também precisam ser mais efetivas. Não podemos encarar com naturalidade o fato de um professor ou professora, em pleno século XXI, não saber ligar um computador ou preparar uma videoaula, por exemplo. E os atuais licenciados, estão preparados para a nova realidade laboral?

Outro aspecto que deve ser lembrado diz respeito à remuneração e à jornada de trabalho do docente. Atualmente, a remuneração e a carga horária do professor considera apenas o trabalho em sala de aula e algumas atividades extraclasse, como a preparação das aulas, o planejamento pedagógico e a correção das provas. Como os sindicatos podem pautar a adoção do uso das TIC’s no planos de carreira, para que o professor se sinta estimulado a usá-las e não trabalhar mais?

A escola, por outro lado, não é mais o único local para a obtenção do conhecimento. Desse modo, fica a questão: como a escola pode trabalhar com o uso das TIC’s e adotar mecanismos de EaD sem perder sua relevância social e a efetivação da aprendizagem?

Há, também, a questão do desemprego e do aumento da desigualdade econômica e social no país. Muitos jovens, principalmente estudantes do ensino médio e da graduação, precisarão abandonar as salas de aula para ajudar na renda de casa. A crise econômica, que perdura desde 2015, tende a se agravar no futuro próximo. O que fazer diante de um governo com uma agenda ultraliberal na economia?

A tecnologia é uma conquista desenvolvimento da Ciência. Não podemos negar essa conquista. No entanto, ela precisa ser direcionada para o bem comum. Assim, o uso das TIC’s na escola e o ensino a distância precisam contribuir com a inclusão social e diminuir as desigualdades socioeconômicas em nosso país. O seu uso precisa colaborar com a difusão do saber sistematizado, impulsionando, como estabelecia Hegel, a ascensão cultural das crianças e adolescentes.

Nesse contexto, não podemos desprezar os impactos da denominada revolução 4.0 na educação. Nós, profissionais da educação, comprometidos com uma sociedade emancipada, democrática e socialmente justa, precisamos inserir a escola, que permanece no século XIX, no século XXI. Penso que estas questões, e certamente outras, se encaradas como um desafio, podem nos mobilizar a pensar em uma educação pós-coronavírus.


Imagem de destaque: Marvin Meyer / Unsplash

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