Para pensar a educação com Bourdieu

Maria das Dores Daros*

Os estudos educacionais brasileiros que têm se valido dos referencias teórico-metodológicos de Pierre Boudieu podem agora também contar com o livro Pierre Bourdieu; uma sociologia ambiciosa da educação, organizado pelos professores Ione Ribeiro Valle e Charles Soulié. O livro foi lançado pela editora da UFSC em agosto e os artigos que compõem a obra foram traduzidos por integrantes do Laboratório de Pesquisas Sociológicas Pierre Bourdieu (LAPSB/UFSC), coordenado pela professora Ione.

A obra está centrada nos artigos do autor, especialmente na sociologia da educação e em sua sociologia política. Como indicam os organizadores do livro em seu prefácio, Bourdieu como “refundador da sociologia contemporânea” se interessa, por exemplo, pela contribuição específica da escola na reprodução das desigualdades e nas relações de dominação, assim como na sua legitimação.

A ligação entre sociologia da educação e sociologia política, indicam os organizadores, é sublinhada por Pierre Bourdieu no seu prólogo a La noblesse d’État (A nobreza de Estado), quando mostra que a nobreza do Antigo Regime, principalmente na França, foi sucedida por uma “nobreza de estado” originária das grandes escolas.

Os textos selecionados para compor Pierre Bourdieu; uma sociologia ambiciosa da educação abrangem um período compreendido desde os anos de 1960 até os anos 2000. O primeiro deles, “O exame da ilusão” em parceria com Jean Claude Passeron, para Valle e Soulié reflete “o ambiente teórico-político da época e notadamente a luta de seus autores contra o epistemocentrismo teoricista da escola althusseriana que dominava a seção de filosofia da Escola Normal Superior”.

No texto “Provação escolar e consagração social: as classes preparatórias para as grandes escolas” Bourdieu trabalha tanto sobre as classes preparatórias como sobre a universidade e principalmente sobre o sistema escolar, oferecendo os meios para fazer uma sócioanálise e também fundar empiricamente sua sociologia dos intelectuais.

Engajado em propostas para reformar a escola, Bourdieu participa de diversos relatórios oficiais nos anos de 1980, a pedido do governo socialista de François Mitterrand. Assim, temos publicado no livro em questão o relatório apresentado ao Collège de France em 1985 “Proposições para o ensino do futuro” e “Princípios para uma reflexão sobre os conteúdos do ensino”, elaborado em 1989 em companhia de François Gros.

Ainda como resultado de seu engajamento social, é publicado no livro o texto “Para que serve o sociólogo”, resultado de uma intervenção oral e didática realizada em 1983 para professores de escolas primárias de uma pequena cidade de província, mostrando sua preocupação em exercer sua influência na base do sistema educacional.

O interesse pela questão do poder, assim como de outros pensadores de sua geração, ampliado pelo Maio de 1968, aparece na conferência publicada no livro A dominação, onde Bourdieu nos “oferece uma visão sintética de sua concepção de poder”. Por que obedecemos e por que, na maioria das vezes, a ordem estabelecida não é colocada como problema são questões enfrentadas pelo sociólogo.

No artigo “Sobre a ciência do Estado”, em parceria com Olivier Christin e Pierre-Etienne Will, Bourdieu e os demais autores assinalam que para pensar o Estado dispomos principalmente de categorias de pensamento produzidas pelo próprio Estado ou de categorias do direito, da demografia e da ciência política, que o advento do Estado contribuiu para produzir. Argumentam ser necessário elaborar a gênese histórica dessas categorias e das disciplinas universitárias que estão ligadas a elas e lutar contra a separação entre história social e história das ideias.

O último texto é a tradução de uma entrevista concedida por Bourdieu em 1993, onde o sociólogo argumenta que é preciso reinventar o “intelectual coletivo” tendo como modelo os enciclopedistas. Objetivando ampliar o engajamento político dos intelectuais (conselheiro do príncipe, orgânico, crítico, contestador, especialista/expert), o que poderia ser uma espécie de reforço para enfrentar “a tirania do conformismo” que afeta, sobretudo, os dominados.

Como indicado em “Apropriações da obra de Pierre Bourdieu no campo educacional brasileiro através dos periódicos da área”, publicado na Revista Brasileira de Educação, até meados de 1970 as referências a Bourdieu no Brasil são esporádicas. Entre 1979 e 1983, a leitura do autor, especialmente de sua obra A reprodução, “passa ser objeto de controvérsias políticas no campo educacional brasileiro”, pois o sociólogo francês “passa a ser considerado um autor crítico, mas politicamente desmobilizador”. Sua obra é caracterizada como análise educacional “reprodutivista” ou “crítico-reprodutivista”. Somente a partir de 1990, para os autores da análise da apropriação de Pierre Bourdieu no campo educacional brasileiro, é que a obra do sociólogo recebe no Brasil uma leitura mais diversificada. Os que se apoiam nele ou dele se apropriam “revelam maior familiaridade com a obra”.

Além da obra ora apresentada, Ione Ribeiro Valle traduziu dois outros trabalhos de Pierre Bourdieu: Homo academicus (2011) e Os herdeiros (2014), ambos publicados pela editora da UFSC, contribuindo para oferecer ao público brasileiro obras de Bourdieu que ampliam a possibilidade de seu uso teórico-metodológico na pesquisa educacional brasileira.


*Universidade Federal de Santa Catarina

 

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