Pandemia: uma centelha para presença de mundo

Marcelo Silva de Souza Ribeiro

Numa perspectiva fenomenológica, nós somos presença no mundo à medida que a consciência é presença. Mesmo em situações onde queremos fugir, sumir ou até desaparecer da vida, ainda assim somos presença (presença de fugir, de sumir, de desaparecer…).

Esse entendimento, por sua vez, nos remete a grande sacada nietzscheana de que a vida é potência. E o niilismo, ainda que vontade de nada, é vontade. Assim, enquanto seres de presença e de vontade, produzimos sentidos nas nossas vivências. Não há como escapar da liberdade de produzir sentidos, ou como diria Sartre, “estamos condenados a ser livres”.

Resta-nos, talvez, nos apropriarmos dos sentidos produzidos, sobretudo nessas vivências de pandemia. Quais as nossas presenças de mundo que se nos apresenta? Que sentidos temos produzidos?

Lembrando Walter Benjamin, de que a apropriação do presente nos permite conectar com o passado e nos projetar para o futuro, essas perguntas do parágrafo anterior, longe de reflexões diletantes, são cruciais para compreendermos a nossa história e provocarmos alguns projetos de futuro.

E sobre o nosso presente, enquanto o que se nos apresenta e como nos apresentamos no mundo, é marcado pela acentuada incertitude, pelo contexto ansiogênico e pela situação de crise. No caso do contexto brasileiro isso se agudiza uma vez que, além do problema do Covid-19, temos os problemas econômicos e políticos, desencadeados, principalmente, pelos irracionalismos e irresponsabilidades do governo.

Indubitavelmente, na pré-pandemia, estávamos numa “sociedade do cansaço” e da hiperconexão, a ponto tal que éramos incapazes de nos apropriarmos das vivências de alta performances e adoecimentos. E se há alguma positividade em toda a situação de pandemia é a possibilidade de nos apropriarmos das nossas presenças, ainda que duras, dolorosas e difíceis.

A pandemia, se não para todos, mas ao menos para uma parte significativa das pessoas, pode estar criando o acontecimento da ruptura com um certo tempo, espaço e velocidade. É como uma dimensão outra que foi acessada. Essa ruptura de dimensão significa também uma parada, uma vivência até mesmo da depressão ou até do tédio. Assim, uma oportunidade de apropriação do presente, uma centelha, quiçá, para nos conectarmos com o passado, com os caminhos até aqui trilhados e erigir novos projetos de existência.

O que estávamos fazendo com as nossas vidas? Que mundo estávamos vivendo? Como estamos? Como todos esses acontecimentos chegam a até nós? O que queremos de nós? Que mundo queremos?


Imagem de destaque: Sasha Freemind / Unsplash

 

 

 

 

 

 

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