Paisagens do Quadrilátero Ferrífero: uma problematização pedagógica

Vagner Luciano de Andrade
Ludimila de Miranda Rodrigues Silva

Quando se fala em Quadrilátero Ferrífero (QF) provavelmente a primeira coisa que vem à mente é a sua dimensão econômica consolidada no contexto socioeconômico da sociedade urbano-industrial brasileira. Curiosamente, não há nenhuma valorização de seus inúmeros atributos ecológicos e, para piorar a situação, quem repassa esta ideia errônea são os autores dos livros didáticos de Geografia. Somente para citar livros didáticos recentemente publicados e direcionados ao Ensino Médio, as abordagens ressaltam o caráter capitalista da exploração minerária que ocorre nesta área, sem considerar, com detalhes, os impactos culturais e devastações ambientais decorrentes da continua ação antrópica na região.

Os textos reforçam a imagem capitalista de valorização econômica de uma área única em termos de biodiversidade ao ressaltarem unicamente a exploração comercial de minérios, sem destacar a negatividade das ações. Os escritos sobre o tema evocam ainda o direcionamento dos minerais via ferrovias para exportação nos portos de Sepetiba (Rio de Janeiro) ou Tubarão (Espirito Santo), bem como o emprego das mesmas em siderúrgicas e metalúrgicas nacionais, sejam do entorno ou de outros estados. Os textos também detalham como o Quadrilátero Ferrífero foi extremamente importante para a industrialização do Sudeste brasileiro.

Deve-se romper com esta histórica valorização econômica dos atributos naturais e culturais do Quadrilátero Ferrífero. Correspondente à grande parte dos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e do Colar Metropolitano, o QF é dotado de significativos atributos bióticos, culturais, econômicos e estéticos, destacando-se também por sua vocação minerária, responsável pelo surgimento de núcleos de população desde o século XVIII. A geologia da região é considerada uma das mais complexas e antigas do Brasil, com séries rochosas de idades variadas aflorando lado a lado.

Limitada a oeste pelas Serras da Moeda e Rola Moça, a norte pelas Serras do Curral e Piedade, ao sul pela Serra de Ouro Branco e a leste pelas Serras do Gandarela e do Caraça, a área geológica do QF caracteriza-se pela abundância de minério-de-ferro.  Historicamente alicerçada na realidade mineira, a mineração é o maior agente de transformação nesta região e algo visível no contexto das paisagens locais, resultando principalmente na total descaracterização das mesmas. Localizada no sul da cadeia do Espinhaço, numa área de transição entre importantes biomas, esta região encontra-se no divisor de águas entre as bacias do Rio Doce e São Francisco, evidenciando um potencial ecológico e hídrico indescritível.

Num ambiente caracterizado pela escassez de nutrientes, onde quase toda matéria orgânica desce para os vales, desenvolve-se uma vegetação expressiva marcada pela adaptação de espécies vegetais raras, como as centenárias canelas-de-ema, cujo crescimento lento decorre da ausência de nutrientes. Este ameaçado ecossistema é alvo de estudos universitários que, associados ao gerenciamento do Instituto Estadual de Florestas (IEF), têm socializado informações extremamente relevantes ao processo de sua efetiva conservação ambiental. Além das mineradoras, outras ameaças são comuns, como a invasão de espécies exóticas como o capim-gordura e os incêndios, principalmente na época mais seca do ano. A existência, por exemplo, de espécies biologicamente adaptadas ao fogo não justifica jamais a ocorrência de queimadas, em sua maioria, criminosas. O resultado muitas vezes é irreversível, como a perda de espécies nativas ampliando o quadro já existente no estado de Minas Gerais onde 98% da vegetação é secundária e apenas 2% é nativa.

 A “canga” é uma rocha ferruginosa com cerca de 30 a 50 metros de profundidade que se sobrepõe ao minério-de-ferro e se caracteriza como um dos ecossistemas mais peculiares e ameaçados pela atividade de mineração. Destes ambientes, encontrados no Brasil apenas na Serra dos Carajás (Pará) e no QF, as “cangas” (itabiritos) ou “ilhas de ferro” são formações ferríferas bandadas formadas por placas alternadas de sílica e ferro, comuns em cristas e encostas e geralmente associadas ao quartzito e ao granito/gnaisse. Nas áreas de “canga” ocorrem ainda cavernas que abrigam espécies desconhecidas e protegem animais da fauna local. Nestes espaços, os espeleotemas são raros e já foram encontradas inscrições rupestres datadas em 1.500 anos atrás. Nota-se aqui o potencial pedagógico para além da biologia, compreendendo história e geografia.

​Ao se problematizar pedagogicamente a valorização apenas econômica das Paisagens do Quadrilátero Ferrífero, uma discussão se materializa no tempo e no espaço. É preciso entendê-la, sobretudo, pelos aspectos culturais e ambientais, legitimando sua conservação. Ao enfatizar a área enquanto corredor ecológico e circuito cultural, as paisagens se redefinem como elos de educação contemporânea. Uma educação renovada na qual a paisagem não somente eduque, mas estimule sua contínua preservação.

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