Os professores e o trabalho de Sísifo – exclusivo

André Luiz Paulilo

Para quem era aluno em 1989 e hoje é professor na escola pública paulista, o fim da última greve do magistério oficial do estado de São Paulo tem uma amargura muito própria. A paralisação superou os 80 dias da greve de duas décadas e meia atrás,tornou-se a mais longa da história nessa rede de ensino e obriga a reconhecer o fracasso de uma geração inteira do magistério para criar outras condições de trabalho na educação. Conforme reagiram alguns dos professores, voltar cabisbaixo, estar cansado, julgar-se desrespeitado frente ao resultado da campanha salarial deste ano define bem um estado de espírito geral dessa categoria de profissionais.

Em particular, no entanto,há aqueles que se sentem como Sísifo e experimentam aquela sensação de que uma força irresistível invalidou completamente o esforço despendido. Desde os bancos escolares, passando pela opção pelo magistério, pela formação inicial e pelo início de carreira até aqui, essa geração de professores viveu sob o signo da mudança sem ver sua própria condição social mudar.

No fim da década de 1980, a reabertura política transformou a escola pública num meio de ascensão social que fez de muitos dos seus alunos daquele tempo os professores de hoje. Não só porque a educação e a cultura foram tidascomo forma para mudar o curso da história do país, mas, sobretudo, pelo fato do magistério efetivamente propiciaruma nova condição social para os filhos de famílias operárias, lecionar significava muito em termos de conquista pessoal.

Atualmente, não escapa a ninguém que a roda virou, retrocedeu. A corrosão salarial, o desprestígio social da carreira, a precarização das condições de trabalho e a imensa dificuldade de reorganização sindical dos últimos 20 anos pulverizaram as expectativas daqueles tempos.

A partir de 1995, o governo de São Paulo implantou o modelo de progressão continuada, corrigindo as distorções idade-série na sua rede pública. Em 2008, a padronização curricular, o sistema de avaliação das escolas por metas de qualidade e os programas de incentivos por meio de bônus por resultados e de promoção na carreira por mérito quiseram modernizar processos de gestão do pessoal docente.

No plano federal, os PCNs, a LDB, o FUNDEF, depois FUNDEB, o PNE, a Lei do Piso Salarial, lei 11.738/2008, e programas de iniciação à docência e capacitação como o PIBID e o PARFOR fomentaram outras tantas discussões, ações e mudanças. Não faltaram contribuições da Universidade que forneceu quadros políticos, ofereceu formação continuada, redefiniu seus currículos de formação docente e, claro, pesquisou, debateu, propôs, cooperou e criticou.

Na situação em que a greve do início deste ano foi deflagrada, os limites dessas iniciativas ganharam alguma nitidez. A correção de fluxo escolar e a reorganização curricular não resolveram o problema do fracasso escolar, apesar de impedirem a reprovação e reduzirem a evasão no ensino fundamental. Os programas de incentivos salariais e de promoção na carreira parecem mais ter concentrado os benefícios e prebendas que amparado uma maior generalização de boas práticas de ensino.

Tampouco os programas federais produziram efeitos estruturais. Em São Paulo a adequação da jornada ao que sugere a lei do piso salarial, por exemplo,ainda gera discussão devido ao aporte dos recursos necessários para observar-se o limite máximo de 2/3 da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os alunos.Por outro lado, a criação da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores do Estado de São Paulo em 2009 materializou a ideia de alguns dos titulares da Secretaria de Educação que a formação universitária é inapropriada para qualificar o magistério para o exercício nas escolas públicas estaduais.

Não há inércia política ou pobreza de ideias nos debates em torno da educação pública. Entretanto, para além dos dados objetivos da discussão e seus números sobre desempenho escolar, montante de recurso investido, índices de reajuste salarial, o professorado paulista vê aviltadas e diminuídas as suas crenças profissionais. A reivindicação por um plano de equiparação de vencimentos com outras carreiras de nível superior do Estado de São Paulo é a versão mais recente do que em 1989 entendia-se como valorização do magistério, luta contra a pauperização das condições de trabalho. Àquela época o que alguns viveram, como fim das grandes mobilizações da categoria docente, outros experimentaram comoinício da carreira.

Não parece que será diferente desta vez. Parte dos alunos que sofreram com os 89 dias de paralisação neste começo de ano letivo também será professor amanhã. Por outras razões e circunstâncias, certamente com utopias diferentes, haverá docentes que iniciarão daqui, terão que lidar com as dificuldades e os dilemas próprios ao que está aí como carreira e, sem dúvida, também darão as suas respostas.Ainda que a partir de um começo semelhante, cumpre que sejam outras e melhores.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *