O racismo institucional narrado pela história da educação

Marcos Fábio Cardoso de Faria*

O livro População negra, escravismo e educação no Brasil: séculos XIX e XX, organizado pela Professora Vera Lúcia Nogueira e parte da coleção Pensar a Educação, Pensar o Brasil (1982 – 2022), editado pela Mazza Edições em 2015, é uma importante contribuição sobre a história do negro na educação brasileira. Nele, a história apagada recebe luz e passa a ser ponto para discutir as reverberações advindas de um dos maiores genocídios ocorridos na história da humanidade, a escravidão nas Américas, com foco no Brasil.  Trata-se de uma reflexão sobre como o escravismo e seus rastros deram um caminho distinto para a história da educação no Brasil, que sempre teve por plano higienizar – por meio da marginalização e eugenização dos negros – a nação.

O livro, porém, conta a outra história negra, a que permaneceu, ao longo de anos, no esquecimento. Trata-se, então, de uma obra fundamental e combativa, já que está à revelia dos discursos majoritariamente brancos que selam a história brasileira, sobretudo no âmbito da educação. Os textos presentes são um combate ao olvido, bem como contra a repetição do silêncio. Por outro lado, são, também, fundamentais para o estabelecimento democrático, sendo um chamado para pensar a igualdade étnico-racial como uma possibilidade em um país que, mesmo tendo maior parte de sua população negra, segue narrando a história por um ponto de vista branco.

O primeiro ensaio apresentado no livro é “População negra e o estabelecimento da obrigatoriedade escolar em Minas Gerais em 1835”, de Marcus Vinícius Fonseca. Sua reflexão se baseia em um marco jurídico, qual seja a Lei mineira no 13, que estabelece como obrigatória e gratuita a instrução elementar na província. Juliana Cesário Hamdan, em “Moral ou econômica: a questão escravista no pensamento de Tavares Bastos (1861-1870)”, reflete haver, em Tavares Bastos, um posicionamento estrategicamente político abolicionista,sobretudo pela interrupção gradual do trabalho escravo e, também, do afastamento dos escravos dos grandes centros para a marginalização aos campos e lavouras favorecendo, desse modo, a imigração branca para o país.

Em “Presenças e ausências de referências sobre escravismo e educação nas teses e dissertações da Academia de Direito de São Paulo (1830-1880)”, Ilka Miglio de Mesquita confronta a história das ciências jurídicas no Brasil à história da educação e do escravismo que, em uma visão panorâmica, traça as particularidades da identidade jurídica do novo Estado em relação à população negra. Dialogando com o texto de Mesquita, Matheus da Cruz e Zica apresenta o ensaio “Trajetórias esquecidas – o que dizem os anúncios de escravos fugidos sobre as experiências educativas daqueles sujeitos?”. Com uma contundente análise, o autor perpassa por algumas pesquisas já realizadas sobre o tema como forma de situar o estado da arte mais recente no que tange a experiência educacional dos negros.

Já Vera Lúcia Nogueira traz o texto “Filantropia e educação de adultos livres, libertos e escravos na Província de Minas Gerais (1870-1880)”. Aqui, o conceito de filantropia se volta para pensar o papel que a elite brasileira quis assumir de provedor do desenvolvimento social sendo, nesse caso, uma relação política para a construção de uma imagem pública e que fosse ao encontro das agitações sociais da época, sobretudo às relacionadas ao incentivo à libertação, pelos senhores, dos escravos. O último texto da coletânea é assinado por Luciano Mendes de Faria Filho com um instigante e provocativo título: “A escravidão foi abolida, mas o latifúndio continuou: Astrojildo Pereira leitor de Rui Barbosa”. A noção de latifúndio desenvolvida pelo autor ganha caráter amplo, passando pela crítica à prática brasileira de criar latifúndios intelectuais e políticos, como o exemplo máximo de Rui Barbosa, às rebarbas dos que se envolveram na produção intelectual desse legado.

O livro População negra, escravismo e educação no Brasil: século XIX e XX é um grito de resistência em um país como o Brasil, que esquece o legado da cultura negra e persiste no apagamento das vidas negras. Se valer das histórias do subsolo da cultura nacional para reatualizar o tempo presente se configura como um verdadeiro fazer histórico que, no âmbito da história da educação no Brasil, desata nós importantes para entender, como até hoje, sujeitos negros precisam lutar contra o latifúndio intelectual, ético e político branco e europeu que ainda insiste em imperar no país.

 

Referência:

NOGUEIRA, Vera Lúcia (Org.). População negra, escravismo e educação no Brasil: séculos XIX e XX.  Belo Horizonte: Mazza Edições, 2015.

 

* Marcos Fábio Cardoso de Faria é professor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM – e doutorando em Estudos de Linguagens pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG.
marcosfabiodefaria@gmail.com
marcos.faria@ufvjm.edu.br http://www.otc-certified-store.com/supplements-and-vitamins-medicine-europe.html https://zp-pdl.com/how-to-get-fast-payday-loan-online.php https://zp-pdl.com/fast-and-easy-payday-loans-online.php

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