O que podemos aprender com a pandemia?

Karla Giacomin*

A pandemia colocou no radar da sociedade a população mais vulnerável ao poder letal do novo coronavírus: as pessoas idosas que vivem em instituições de longa permanência para idosos (ILPIs). Mais da metade das mortes no hemisfério norte aconteceram nessas instituições. A explicação talvez seja porque se trata de pessoas idosas frágeis, altamente vulneráveis e com múltiplas doenças, que moram em coletividade, sendo cuidadas por pessoas que circulam na comunidade, o que os deixa mais vulneráveis que a população geral.

A Organização Mundial de Saúde alertou aos países para o erro de não incluir as instituições para idosos como locais prioritários de prevenção e cuidado durante a pandemia. No Brasil, este alerta foi levado ao Congresso Nacional em Audiência Pública promovida pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados, no último dia 7 de abril de 2020, provocada por um Manifesto enviado aos órgãos públicos, é assinado pelas professoras Yeda Duarte e Helena Watanabe e Marisa Accioly da Universidade de São Paulo. Após essa audiência pública, um movimento chamado “Frente Nacional de Fortalecimento à Instituição de Longa Permanência para Idosos” (FN-ILPI), formado por especialistas, profissionais, gestores e pesquisadores da área do Envelhecimento de todo o país. Esta FN-ILPI é coordenada pela pesquisadora Karla Giacomin (Nespe/FiocruzMinas) com o apoio de um comitê técnico e de pontos focais regionais, para evitar essa supermortalidade nesses locais. Por onde começar?

A partir dos dados disponíveis sobre as ILPIs no Brasil. Contudo, não sabemos onde estão, de quem cuidam, como cuidam. As fontes de informação são desencontradas: Assistência Social, Saúde, Vigilância Sanitária, Ministério Público, produzem informações por sistemas que não se conversam. Além disso, cada um conhece à sua maneira apenas uma parcela deste universo. Por outro lado, apenas 2% das ILPIs estão localizadas na Região Norte, enquanto 58% estão na Região Sudeste, metade delas no estado de São Paulo. Apenas 6% das instituições são públicas; nas ILPIs filantrópicas as doações e o apoio dos voluntários caíram drasticamente; existem ILPIs privadas de alto padrão, mas também outras sem condições mínimas de cuidado e até mesmo ILPIs clandestinas descobertas durante a pandemia.

Outra constatação foi a dificuldade de acesso a testes para idosos e profissionais que atuam nas ILPIs, falta de equipamentos de proteção individual (máscaras e luvas, por exemplo) e de orientação para uso por pessoas que atuam ou residem ali. Tudo por fazer. Correndo contra o tempo e a morosidade das respostas da sociedade e do poder público. Muitas instituições se viram completamente desassistidas e desestruturadas diante dos casos de Covid-19. Em muitas dessas instituições não haveria condições de isolamento de pessoas que apresentassem sintomas compatíveis com a Covid-19, tampouco existem profissionais capacitados para esse cuidado. Não há sequer exigência legal para a presença de profissionais de saúde nas ILPIs, apesar de elas serem um espaço de cuidado.

Ficou patente a falta de formação e de informação sobre medidas de prevenção de contágio, detecção precoce de casos, manejo de casos suspeitos e confirmados pelas equipes das ILPIs. Face à impossibilidade de visitar presencialmente essas pessoas em período de distanciamento social, a Frente construiu um Relatório Técnico Consolidado, um fascículo de Boas Práticas, além de vários manuais e cartilhas direcionados aos cuidadores e familiares elaborados para apoiar as equipes. Todos estão disponíveis pelo site da Frente Nacional de Fortalecimento à Instituição de Longa Permanência para Idosos.

Ainda na tentativa suprir essa necessidade de educação, diferentes parcerias para viabilizar encontros virtuais foram firmadas pela FN-ILPI, em rede nacional, estadual e municipal, com a participação de profissionais de diferentes formações ligados a instituições de ensino superior de todo o país. Isso nos permitiu atuar e ter contato com ILPIs nas cinco regiões do país. Mais recentemente, estamos construindo com o Proqualis da Fiocruz a possibilidade de produzirmos cursos autoinstrutivos para serem utilizados pelas equipes de cuidados das instituições.

Assim, se em todo o mundo, a face mais cruel da pandemia se revelou na elevada mortalidade daquelas que vivem em abrigos e instituições; no Brasil, a velhice desamparada e invisível está nas ruas, nas instituições que oferecem condições precárias de assistência, nas famílias que não têm recursos para cuidar, na falta de uma política nacional e integrada de cuidados para pessoas de todas as idades. A nosso ver, a crise causada pelo novo coronavírus precisa se transformar em uma oportunidade para compreender que o direito a envelhecer com dignidade não se inicia nem termina aos 60 anos. Isso inclui o direito a uma Política Nacional de Cuidados pública, universal e permanente.

* Médica geriatra, Secretaria Municipal de Saúde. Membro pesquisador do Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento (FiocruzMinas). Coordenadora da Frente Nacional de Fortalecimento à ILPI (FN-ILPI).

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.


Imagem de destaque: Equipes das unidades de Saúde entregam remédios em casa para idosos e acamados em Curitiba. Foto: Prefeitura de Curitba

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