O presidente, os militares e a democracia

Antonio Carlos Will Ludwig

Os meios de comunicação já registraram e continuam registrando uma das condutas mais frequentes exibida pelo atual presidente da república, ou seja, seu descaso para com o regime democrático. Com efeito, eles já exibiram suas manifestações de enaltecimento do período ditatorial, de intimidação aos jornalistas e de admiração a um militar comprometido com a tortura. Uma das mais recentes ocorreu em frente a um quartel do Exército, onde discursou perante um grupo de seguidores que propunha a intervenção dos militares, a edição de um novo AI-5 e o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.
O episódio revelou a existência de posições diferentes assumidas pelos militares. Um grupo se mostrou totalmente contra porquanto tal evento serviu para provocar mais a ira dos parlamentares e dos membros do judiciário, constituiu uma provocação desnecessária, ocorreu em local inapropriado, se mostrou negativo para a imagem das Forças Armadas e expôs uma gravidade simbólica porquanto o presidente é o comandante delas. O grupo instalado no governo considerou natural a braveza do presidente uma vez que o parlamento tem cerceado as iniciativas presidenciais e o Supremo Tribunal Federal favoreceu os governadores e prefeitos no combate à pandemia. Por sua vez, o ministro da defesa respaldado pelos comandantes da Marinha do Exército e da Aeronáutica emitiu uma nota a qual destaca apenas que as Forças Armadas obedecem incondicionalmente a Constituição Federal e que no momento elas encontram-se bastante empenhadas no combate ao coronavírus.
Note-se que o conjunto dos discordantes não teve a preocupação de fazer uma vigorosa condenação a um movimento atentatório ao regime democrático. Os palacianos, apesar de em várias ocasiões terem contribuído para moderar a conduta do presidente, além de não o desaprovarem se mostraram condescendentes pois o consideram refratário a qualquer ruptura da ordem democrática. Observe-se que esta atitude pode ser interpretada como uma licença para ele continuar realizando atos reprováveis. O comunicado do Ministério da Defesa traz um conteúdo aligeirado e inclinado para o lado da indiferença porquanto nem faz referência à manifestação de domingo.
Ele faz lembrar a ordem do dia pertinente ao Movimento de 31 de março a qual expõe que o mesmo foi um marco para a democracia brasileira porque se constituiu em uma reação às ameaças que pairavam sobre ela. Destarte contém a postura de defesa do regime democrático a qual não é visualizada no comunicado mencionado. Considerando que nossa Constituição atribui às Forças Armadas a defesa da democracia o comunicado poderia ter lembrado o evento e exibido um claro e indubitável posicionamento a favor dela.
O alvitre de não incluir as duas propostas provavelmente se deve ao anseio de firmar uma posição de neutralidade das Forças Armadas perante os eventos políticos. Esta suposição também acha ressonância na ordem do dia relativa ao citado movimento, pois nela encontra-se registrado que as Forças Armadas visam apenas o cumprimento de sua missão constitucional. Ressalte-se que a tentativa de solidificar uma postura indeterminada pode gerar a interpretação entre os civis de que as instituições castrenses estão aprovando as manifestações contra os poderes constituídos
A opção pela neutralidade não se revela apropriada uma vez que é praticamente impossível sustentá-la porque se baseia em um pressuposto bastante efêmero. O comportamento neutro é uma das questões mais difíceis e controversas postas para a Ciência e a Filosofia resolverem e pelo que se sabe até o momento não foi produzida nenhuma resposta consistente para ela. Há ainda um complicador relacionado à nossa história o qual se mostra como um obstáculo muito poderoso. Durante várias décadas, desde a proclamação da república, o destino do país se manteve intimamente atrelado aos quartéis. Foi governado por soldados durante um bom tempo e atualmente um servidor fardado da reserva se encontra comandando a nação após uma acirrada campanha eleitoral que envolveu muitos militares dentre os quais alguns se encontram ocupando os principais cargos do governo.
Considerando que ainda não emergiu uma solução coerente viabilizadora da atitude de neutralidade, que a pretensão de tentar garantir a neutralidade das Forças Armadas não se coaduna com seu papel constitucional e que o apego à ideia de neutralidade dos estabelecimentos castrenses tende a contribuir para alimentar a desconfiança dos paisanos em relação aos militares é possível inferir que o Ministério da Defesa deveria ter citado e condenado a manifestação bem como recomendado ao judiciário a abertura de um processo investigatório para identificar seus organizadores e financiadores.


Imagem de destaque: Marcos Corrêa/PR

 

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