O Presidente e as Ciências Humanas

Antonio Carlos Will Ludwig*

Recentemente o atual Presidente da República, de maneira súbita e estouvada, manifestou-se favorável à diminuição dos investimentos em ciências humanas nas universidades federais de nosso país em apoio à esdrúxula proposta de seu ministro da educação voltada para a descentralização dos recursos financeiros destinados às faculdades de filosofia e sociologia.Esta lastimosa manifestação, ao lado de diversas outras que já ocorreram e devem continuar ocorrendo pode ser explicada com base no pouco tempo que ele permaneceu no Exército. Com efeito, este reduzido lapso não possibilitou a ele assimilar adequadamente os princípios filosóficos do pragmatismo e do consequencialismo que constituem o fundamento teórico norteador da conduta militar, particularmente aquela relacionada ao processo de tomar decisões. Sua visível ojeriza para com a filosofia também pode ter atuado como fator impeditivo à internalização deste fundamento. Chama atenção entretanto, por parecer destoante, o fato de que na Academia Militar das Agulhas Negras ele não foi um mau aluno em Filosofia bem como em História e Psicologia.

A reação da comunidade acadêmica foi imediata. Vários professores universitários vieram a público para mostrar a fraqueza e a mediocridade da proposta. Revelaram que tanto na graduação quanto na pós-graduação é muito baixa a quantidade de alunos da área de ciências humanas. Mostraram que é bastante reduzida a quantidade de bolsas a eles destinadas. Ressaltaram que atualmente inexistem universidades notórias e reputadas destituídas de ciências humanas. Expuseram que tal área é considerada muito importante porquanto tem por objeto de estudo diversos e graves problemas que afetam a vida em sociedade. Lembraram a inconstitucionalidade da proposta uma vez que a autonomia universitária é garantida pela Carta Magna. Citaram ainda que a mesma vai interferir negativamente no processo de formação de professores.

Ao lado destas menções acrescentamos a presença das ciências humanas em currículos de vários cursos superiores integrantes das áreas de ciências exatas e de ciências da natureza. Aí se encontram porque, sem dúvida, têm alguma contribuição a oferecer seja em relação à ética profissional, ao cenário social, econômico e político que interfere bastante na vida de cada um e ao desenvolvimento do senso crítico uma qualidade pessoal imprescindível nos dias de hoje devido ao acelerado aumento da incerteza e da imprevisibilidade.

Lamentavelmente, no âmbito da comunidade militar não se constatou qualquer reação frente a esta decisão que atinge indiretamente as Forças Armadas. Nenhum comandante de escola de formação e aperfeiçoamento veio a público para expor sua posição. Nenhum militar da ativa ou da reserva envolvido com a docência, a pesquisa e a produção intelectual se manifestou nos meios de comunicação. Nenhumdos militares de alta patente que ocupam cargos na administração federal exibiu qualquer posicionamento, particularmenteo vice presidente, que é considerado um dos oficiais mais proeminentes do Exército. Esta conduta de quietude geral pode ser explicada pela rigidez dos princípios de hierarquia e disciplina vigentes nas Forças Armadas, porém não a justifica porque os referidos princípios não se sobrepõem ao mandamento constitucional relativo à garantia da liberdade de expressão. Observe-se que tal quietismo perante a incipiente e ruinosa proposta advinda do presidente e de seu ministro da educação,contribui bastante para alimentar uma interpretação que pode estar sendo gestada no meio civil, ou seja, de que os militares constituem um grupo que não concedem nenhum valor às ciências humanas bem como adotam uma postura de rejeição a elas. Entretanto o que ocorre é justamente o contrário, pois os servidores fardados as consideram imprescindíveis ao exercício profissional.

Esta errônea interpretação pode estar sendo forjada porque a grande maioria dos paisanos desconhece, apesar de não ser obrigada a conhecer, as peculiaridades das Forças Armadas. Não sabe, por exemplo, que os atuais currículos de formação de oficiais da Academia Militar das Agulhas Negras, da Escola Naval e da Academia da Força Aérea são compostos por matérias pertencentes à área de ciências humanas, tais como psicologia, sociologia, filosofia, direito, administração e relações internacionais. Ignora inclusive que a presença dessas matérias mostra que elas se encontram alinhadas às suas congêneres europeia e norte americana, fato que não deve ser do conhecimento do capitão presidente.

A grande maioria dos paisanos desconhece que nestas escolas existe um programa de liderança alicerçado em conhecimentos oriundos da psicologia e da sociologia. Desconhece que uma parcela considerável dos trabalhos de conclusão de curso realizados pelos cadetes baseia-se em saberes da área de ciências humanas.  Desconhece que muitos estudos realizados por pesquisadores civis encontram-se arquivados na biblioteca digital do Exército sob o título de “Publicações Científicas de Interesse do Exército´´ dentre as quais aparecem muitas originadas das ciências humanas. Por ser ilustrativa e apropriada vale lembrar uma delas intitulada “A Implementação do Ensino de Sociologia Para os Cadetes da AMAN´´. Desconhece que muitas monografias e artigos produzidos por oficiais sob o título de “Publicações Institucionais do Exército Brasileiro´´ fundamentam-se em saberes específicos das ciências humanas. É bastante provável que o atual presidente também não sabe da existência dessas ocorrências.

Destaque-se ainda que a grande maioria dos paisanos, possivelmente acompanhada pelo primeiro mandatário do país, desconhece que o perfil profissional do militar da atualidade engloba as funções de guerreiro e especialista em uma determinada área da ciência e da arte da guerra. No entanto, engloba também os papéis de estudante, de comunicador e de diplomata. O de estudante está relacionado à sua formação específica que é baseada nas ciências exatas, da natureza e humanas bem como na tecnologia e envolve inclusive a sua presença em instituições civis para realizar estudos complementares numa perspectiva de educação contínuada. O de comunicador decorre de seu contato com populações e autoridades locais nas operações de apoio à paz incidentes em diversas regiões do mundo. O de diplomata refere-se à competência para utilizar as práticas políticas de mediação e negociação com populações, autoridades civis, líderes de facções em confronto, jornalistas e outros setores da sociedade civil. Parece-nos verossímil que se o atual primeiro mandatário de nosso país não abrigasse dentro de si a predisposição anti-intelectual e tivesse pleno conhecimento das colocações que aqui foram feitas não tomaria a condenável e ignominiosa decisão de reduzir os investimentos na área das ciências humanas.

*Professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutor em educação pela USP, autor de Democracia e Ensino Militar (Cortez Editora) e Conservadorismo e Progressismo na Formação Docente (Pontes Editores), Membro do Laboratório de Gestão Educacional da Unicamp.


Imagem de destaque: Fernando Frazão/Agência Brasil

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