O pandemônio das teleaulas

Karen Dayanne Nunes*

Durante algumas semanas desde os rumores das aulas online do Estado até sua efetivação, planejei, repensei e fiquei na expectativa de como seriam as aulas com os meus poucos estudantes que tem acesso à internet. Sim, poucos. Atuo numa escola na cidade de Ribeirão das Neves conhecida na região metropolitana de Belo Horizonte como uma cidade desfavorecida, violenta e repleta de presídios. E a localização da minha escola encontra-se em um bairro de comunidade carente.

Sempre ouvi dizer que “aluno é aluno em qualquer lugar” e não discordo totalmente. Porém desde que se trate das peraltices e tentativas frustradas de passar a professora para trás. Quando falamos de situação econômica e de privilégios os meus não se encaixam nesta frase. Eles não dispõe de um celular smartphone, acesso à internet de qualidade, notebooks e etc. A realidade é outra. Uma realidade que o Estado de Minas Gerais desconhece e ignora ao propor um ensino que exclui os mais carentes.

A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais em suas postagens nas redes sociais, divulgação em jornais impressos, online e entrevistas aos jornais televisivos, passam falsamente o discurso de que as teleaulas atenderão a todos os estudantes. Uma aparência de democratização amplamente disseminada que desconsidera as desigualdades sociais às quais nossos cidadãos vivenciam. O sistema de ensino continua a excluir e não incluir a todos.

No anteceder do primeiro contato com os alunos e responsáveis, nós professores deveríamos estar inteirados dos chamados Planos de Estudos Tutorados (PET). Analisando o de História, trata-se de um verdadeiro desrespeito a nós professores e principalmente aos alunos. Muitos colegas expuseram as fragilidades, a suspeita de plágio e outros erros gravíssimos do material conteudista e que desconsidera o estimulo ao pensamento crítico do aluno. Sobre o período vergonhoso de nossa História (um de outros), a escravidão, ela praticamente é inexistente para os alunos do 7º ano do fundamental. Segundo o PET:

“Para garantir a balança comercial favorável e os cofres cheios de ouro, nada melhor para os Estados Modernos nos séculos XVI e XVII que possuir colônias, ou seja, territórios em outros continentes sobre as quais essas nações exerciam autoridades” página 61.

O termo “possuir” na verdade é EXPLORAR financeiramente as riquezas de outro país. E sua autoridade exercida era através da VIOLÊNCIA. Os povos nativos do Brasil foram mortos. Negros africanos retirados de sua terra e traficados para o Brasil aqui perderam sua identidade, sua crença e foram ESCRAVIZADOS. O reflexo desse passado triste da nossa história se manifesta nos dias de hoje em atitudes racistas contra pessoas negras. Mas é outro assunto, que talvez não interesse ao Estado.

Na terça-feira, 02/06/2020 o pandemônio das aulas online foi instaurado através do WhatsApp. Os poucos que acessam a internet e, precariamente tentavam compreender uma nova dinâmica de orientações, recebimento de atividades e tirar dúvidas. Os alunos no grupo perdidos; pais e responsáveis igualmente perdidos. Chamam no privado, um dois, oito alunos ao mesmo tempo. Dispostos a tentar compreender o material do Estado, mas perdidos.

Reclamações que não conseguem baixar o material, seja por falta de espaço no celular ou conexão ruim da internet; outros não tem dinheiro para impressão. O mesmo celular ou computador é utilizado por mais de uma criança em séries diferentes. E ainda as frases clássicas dos alunos atualizadas ao momento que estamos vivendo:

– professora, o telefone é da minha mãe

–  não entendi nada

– é para copiar tudo no caderno?

– as atividades que a senhora mandou no grupo é para responder?

Não se trata somente da primeira experiência, mas sim do descaso do Estado tanto na precariedade do material ofertado, com referências bibliográficas absurdas, quanto da exclusão de muitos estudantes carentes. A questão não é se adequar ao novo ensino em tempos de crise, e sim não naturalizar a displicência. Enquanto o Estado alega que possivelmente nossa categoria não receberá este mês, meus colegas e eu estamos enfrentando o desafio em atender a todos e corrigir os erros absurdos do material disponibilizado em respeito aos nossos alunos. O sentimento de frustração relatados pelos colegas é recorrente.

Ao chegar do fim da tarde, após todos os percalços do primeiro dia, os alunos ao agradecer pelos esclarecimentos de maneira super gentil, me fizeram esquecer do caos e correria.

* Mestra em Educação e licenciada em História, Universidade Federal de Ouro Preto – MG. karendayannenunes@outlook.com


Imagem de destaque: Capa do Planos de Estudos Tutorados da Secretaria de Educação de Minas Gerais. .php

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