O legado de Helena Antipoff nas paisagens rurais de Ibirité

Vagner Luciano de Andrade
Ludimila de Miranda Rodrigues Silva (*)

Nesta semana fez 43 anos que a grande educadora russa Helena Antipoff faleceu no Brasil. Helena Wladimirna Antipoff, nasceu em Grodno, hoje Hrodna, localizada no oeste da Bielorrússia em 25 de Março de 1892 e faleceu em Ibirité, no dia 09 de Agosto de 1974. Foi uma importante pedagoga e psicóloga que, após obter formação universitária na Genebra, Paris e Rússia, se fixou no Brasil em meados do século XX, a convite do governo estadual de Minas Gerais, no contexto da operacionalização da reforma de ensino empreendida por Francisco Campos e Mário Casassanta. A partir de 1929, a encantadora paisagem local em Ibirité, a cerca de 25 km da capital mineira abrigou os sonhos de “Madame Antipoff”.

Helena Antipoff com alunos Fonte: http://www.cliopsyche.uerj.br/arquivo/antipoff.html

Assim, essa paisagem de Minas Gerais é uma herança, um legado de uma grande psicóloga e educadora russa. Em 1977, Aziz Nacib Ab’Saber em seu artigo “Potencialidades paisagísticas brasileiras” originalmente publicado no Boletim Geomorfologia (São Paulo, Instituto de Geografia da USP, nº 55) afirmou que “a paisagem é sempre uma herança […] em todo o sentido da palavra: herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades”.

Para Valeska de Mello Pincer (s/d), o Complexo Educacional da Fazenda do Rosário, fundado objetivando o ensino rural, contribui para o progresso do país, promovendo a integração do homem do campo em seu ambiente cultural e natural, com vistas a sua valorização. No Rosário, funcionavam vários estabelecimentos em regime de internato, destinados às experiências sociais e pedagógicas rurais. Entre eles estão a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais destinada à educação de alunos com altas habilidades; o Ginásio Normal Rural Oficial Sandoval Soares de Azevedo destinado à formação pedagógica de normalistas para o ensino rural; o Instituto Superior de Educação Rural, órgão de pesquisa e especialização em educação rural; o Ginásio Normal Oficial Caio Martins destinado ao curso vocacional agrícola masculino e ao semi-internato para moças; a Associação Comunitária do Rosário para o Desenvolvimento e Assistência com objetivo de oficinas pedagógicas destinadas a adolescentes e jovens da comunidade; a Associação Milton Campos para o Desenvolvimento e Assistência às Vocações dos Bem-dotados colônia de férias para adolescentes e bem-dotados. A prática filosófica de Helena Antipoff, para o ensino na Fazenda focava a aproximação dos alunos com a vida no campo.

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000300013

Grande pesquisadora contemporânea e educadora da criança com deficiência, Helena Antipoff foi pioneira na introdução da educação especial no Brasil, iniciando o movimento pestalozziano, que conta, atualmente, com muitas instituições brasileiras. O seu trabalho no país é atualmente continuado pela Fundação que leva seu nome, mantida pelo governo do estado em Ibirité, no entorno metropolitano. Nesta instituição, além da preservação da memória da educadora, há cursos de formação de professores, em nível de licenciatura, promovidos pelo Instituto Superior de Educação Anísio Teixeira, vinculado à Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG.

De origem russa, Dona Helena Antipoff foi pioneira na formação de professores camponeses, numa época em que a educação das populações do campo não eram prioridade dentro das diretrizes educacionais da sociedade urbano-industrial capitalista. Antes da represa Ibirité e da urbanização desenfreada, a Fazenda do Rosário era uma paisagem rural ressignificada a partir de um projeto empreendedor e sustentável. Em Ibirité encontra-se, portanto, o maior legado da educadora Helena Antipoff. Na verdade, suas paisagens rurais remanescentes preservam a memória da trajetória da professora e de sua ímpar contribuição à educação brasileira.

Festa do Milho na paisagem local Fonte: Acervo da Fundação Helena Antipoff

A festa do Milho, por sua vez, relaciona-se com a proposta de Helena, ressaltando sua contribuição e incentivo do retorno cultural a essa festividade. A apropriação das ruralidades está diretamente ligado à realização de saberes e fazeres camponeses, que rememoram não apenas a paisagem rural, mas, sobretudo, a memória da luta de reconhecimento e preservação dos modos de ser e estar do homem do campo.

No tempo e no espaço, as paisagens rurais se fazem e refazem, num processo contínuo de resistência. Terra pretérita de mananciais e paisagens rurais ímpares, o município de Ibirité, em Minas Gerais, cidade com quase 160 mil habitantes sofre hoje agressões ambientais ameaçando esta lembrança singular. Assim, transformar as áreas remanescentes da Mata das Candeias, Mata do Grotão, Mata do Rosário e Mata da Sandoval, é proteger as paisagens rurais de sua memória preservando-as do futuro incerto da urbanização. Tal demanda vai ao encontro da lei complementar municipal nº 80, promulgada em 23 de julho de 2008 e que dispôs sobre a política de proteção, de conservação e de controle do meio ambiente e da melhoria da qualidade de vida no município de Ibirité. Esta lei em seu inciso XIX defende a necessidade de se “propor ao Executivo Municipal a instituição de Unidades de Conservação visando à proteção” de “áreas representativas”, áreas de mananciais, patrimônio arqueológico, patrimônio artístico, patrimônio espeleológico, patrimônio histórico, patrimônio paleontológico e sítios de beleza excepcional. Na região, os ecossistemas preservados serão destinados à realização de pesquisas básicas e aplicadas de ecologia para alunos do curso de graduação em Ciências Biológicas e demais Licenciaturas ofertadas pela Fundação Helena Antipoff, ampliando os horizontes da educação ambiental.

PARA SABER MAIS

CAMPOS, Regina. H. F. Helena Antipoff: razão e sensibilidade na psicologia e na educação.Estudos Avançados, vol.17, n º 49, 2003. 209-231 Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000300013
PINCER, Valeska de Mello. A festa do milho como prática de desenvolvimento educacional e cultural. In: Portal Mineiro de História da Educação – Faculdade de Educação – UFMG. Disponível em http://www.fae.ufmg.br/portalmineiro/conteudo/externos/4cpehemg/Textos/pdf/6c_4.pdf
SANDEVILLE JÚNIOR, Euler. Paisagem: teoria. In: Paisagem Ambiente: ensaios – nº 20 – USP:São Paulo – p. 47-60, 2005. Disponível em http://www.journals.usp.br/paam/article/viewFile/40228/43094

(*) Doutoranda, Mestre e Bacharel em Geografia IGC/UFMG – Área de Concentração Organização
do Espaço – IGC/UFMG. Pesquisadora do Grupo de Pesquisas Terra & Sociedade – Núcleo de
Estudos em Geografia Agrária, Agricultura Familiar e Cultura Camponesa

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