O gesto amoroso da escola

Aleluia Heringer

 

Quem respira e vive escola básica durante todos os dias e durante décadas tem o privilégio de perceber e entender a educação numa perspectiva mais generosa. Lidamos com crianças que chegam usando fraldas e bico, e com rapazes e moças da 3ª série do Ensino Médio, que estão a um passo de ingressarem na universidade. Todos, filhos e filhas de um mundo pouco amigável, com muitos ruídos, competição, violência, dispersão e intolerância. Mas esses mesmos filhos e filhas são capazes do gesto mais humano, solidário e tolerante.

Não inventamos as guerras, a escravidão, a desigualdade social, a pobreza, os massacres e os genocídios, mas cabe à escola abordar tais assuntos, por mais que eles nos envergonhem como espécie humana. Tratamos desses assuntos para que nossos estudantes, ao conhecerem nossa história, vislumbrem outras possibilidades de resolverem estes e outros problemas similares.

Não foi a escola que inventou a arte, a poesia, a música, os jogos, os remédios e nem as Leis de Newton. Entretanto, ela aborda todos estes assuntos, pelo simples motivo de que eles fazem parte da vida e nos ajudam a viver. No final das contas, estudamos as respostas que aqueles que vieram antes de nós deram para as suas perguntas e necessidades.

A escola também não inventou o que cada um é ou como se vê, em qualquer área da vida, e nem tem poderes que dizem que ela tem. Escola não determina para onde caminha a humanidade. Ela é apenas uma parte daquilo que chamamos de sociedade. Não é ela o árbitro que dará “licença” ou autorização para que as pessoas pensem, falem ou ajam de acordo com o esquema A, B ou C. Outras instituições podem fazer isso, como a Família ou mesmo a Igreja.

Como homens e mulheres do nosso tempo, temos outras perguntas e precisamos dar algumas respostas que, um dia, farão parte da história e, provavelmente, estudadas pelos nossos netos. Sendo assim, nós também iremos elaborar criar, reinventar, criticar e aprimorar este legado para as futuras gerações. Devemos ser melhores. Precisamos ser melhores.

A educação se dá na relação com o outro e, quantos “mais outros” nós nos relacionarmos e aprendermos a ouvir e a conviver, maior será nossa compreensão da vida. “A verdade não é minha e nem sua para que seja nossa”, escreveu Santo Agostinho. Daí a escola (esta, sim, uma invenção humana) ser um local privilegiado para o acontecer da educação cidadã e da formação humana ampla. Isto porque a escola, guardadas as devidas proporções, é a experiência de um “microcosmos”. Ela deveria ser um exemplo daquilo que gostaríamos de ver no mundo. Não o mundo fantasioso e irreal isento de conflitos e dificuldades, mas o mundo exemplar na forma de lidar com aquilo que é real. Daí cada escola sinalizar e apontar com o seu projeto político e educativo para um ideal de mundo, de pessoa, de sociedade.

A escola cuida e se ocupa para que as relações, onde o processo educativo acontece, sejam respeitosas entre todos e segura para todos. Daí o respeito (do latim respectus, que significa “olhar outra vez”) ser um exercício intenso e diário. A forma como lidamos uns com os outros deve ser cada vez mais refinada, polida, civilizada e cordial.  A pessoa humana virá em primeiro lugar e foi isso que Jesus nos ensinou com a parábola do bom samaritano. Os fariseus ou os intérpretes da Lei sempre buscavam uma oportunidade para testá-lo. Ocupavam-se em montar um dossiê para incriminá-lo. Jesus então conta a história do homem que foi assaltado, agredido e jogado na estrada. Passaram por ele o sacerdote e o levita. De tão preocupados que estavam em cumprir a Lei, não enxergaram o homem caído no chão. Quem acudiu, acolheu, cuidou e devolveu a dignidade para quem necessitava foi o Samaritano, considerado naquela cultura alguém desprezível. Que não nos falte, como escola, este gesto e olhar amoroso para com nossos meninos e meninas em todos os seus dramas e alegrias. Carecemos de gestos mais humanos e generosos, que apontem para possibilidades de edificar a paz e a esperança.

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