O futebol e a literatura no palco da escola pública

– baseado em aulas de não ficção – 

Ivane Perotti

Nos porões de 2019, o ano letivo deu o ar de sua graça como se ventos obscuros rondassem as páginas de outras histórias. Da imberbe necessidade de planejar, um professor da escola pública reconhece em seus alunos os maiores aliados:

Ô pró! Já tô avisano… literatura prá mim, só o futebol.

Rezava a cartilha dos conteúdos que o professor da língua nativa amarrasse ao triste e clássico desprazer dos pupilos pela leitura, fatos novelescos sobre autores modernistas, palco do estudo indicado nas bases escolares pré-determinadas. Manco de instrumentos e coxo de ferramentas, o professor lançou mão de alternativas embasadas em fatos reais: quando a linha não chega ao peixe, de nada vale apontar o recheio do anzol. Não alterou as regras do jogo, pois pescar a seco ainda é pesca; não dormiu nas bases, pois em dormindo, anteciparia os pesadelos; não desfez os calos dos literatos, nem pesquisou amores impossíveis, uma vez que, de gêneros e calcanhares, todos entendiam um pouco. Atrelado às regras do campeonato invisível, o professor fez-se comunicação. Tomado de muitos sentimentos e conhecimento fundamentado, movimentou os estudantes para a pequena quadra do ginásio escolar onde as marcas do futebol avariavam o cimento cozido: muitos pés e pouca sola, muitos sonhos e poucas páginas – mercado pouco para tantos desejos.

Atravessado pelas marcas dos codinomes, Fernando Pessoa deixou Portugal para ocupar a zaga: beque de vontades múltiplas, talvez defendesse a posição dos Andrades em solo verde e amarelo. Tarsila do Amaral redesenhou as linhas laterais do campo e convidou Anita Malfatti para abrir cores nas linhas de meta. A primeira metade do século XX exigia jogadores envolvidos na leitura crítica da sociedade e dos ranços colonialistas. O desejo de jogar o ainda desconhecido cutucou a curiosidade dos alunos. Aceitaram construir novos passes: uma página por uma jogada; uma jogada por um conhecimento.

A bola em campo foi trocada com autorização do árbitro: 450g no início do jogo e com possibilidade física de aumentar a pressão – 1100g/cmº subindo, subindo ao nível de leituras delongadas. Mediadas pelo bandeirinha de canto, escritas literárias bateram na trave liberando lascas de ideias fomentadas em outro século. O uniforme escolar fez-se manto e a arquibancada soltou o verbo.

Ô pró! E o cartão amarelo?

Cartões coloridos foram distribuídos fora do campo, depois de muito suor, valendo outras leituras na minúscula e esvaziada biblioteca da escola. Os jogadores em cena não foram substituídos, não se valeram de equipamentos perigosos e começaram com a bola no chão.

Encontraram na leitura mediada um gosto que só está no começo. Mas em começos e recomeços somos todos campeões.


Imagem de destaque: Guillaume de Germain/Unsplash

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