O fechamento de escolas do campo no Espírito Santo

Renata Duarte Simões

A Educação do Campo, no Espírito Santo, tem sido alvo de inúmeros ataques e retrocessos denunciados por pais, estudantes, professores, camponeses e por moradores das comunidades. Em diversos municípios, escolas estão sendo fechadas sob a justificativa de redução dos gastos das prefeituras e de ausência de demanda nas comunidades.

O procedimento adotado para evitar manifestações contrárias evidencia-se pelo modo sorrateiro adotado para comunicar o fechamento dessas instituições. Em muitos casos, a Secretaria de Educação envia um representante que passa pelas casas das camponesas e dos camponeses comunicando o encerramento das atividades na escola da região.

Após o comunicado, algumas comunidades vêm buscando se mobilizar, reunindo-se em assembleias e elaborando cartas de repúdio. Contudo, o fechamento dessas escolas segue ocorrendo e o processo de “nucleação”, que agrega diferentes comunidades em uma única escola, por vezes localizadas a longa distância das residências das/os alunas/os, vem dificultando o acesso ao ensino básico e gratuito, garantido pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes de Bases da Educação – Lei no 9.394/1996.

Os pais das/os alunas/os das escolas já fechadas ou sob a ameaça de fechamento alegam que essa tem sido uma estratégia comumente empregada para expulsá-los do campo, ou seja, apontam que o poder público fecha as escolas e não garante o transporte para que as crianças cheguem até elas, obrigando os pais a mudarem de residência.  Em comunidades do noroeste do Estado, chegou a observar-se evasão escolar de 50% durante o ano de 2017, após o fechamento de várias escolas e com os processos de “nucleação”.

De 2008, quando o Comitê Estadual de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces) foi criado, até 2018, mais de 500 unidades de ensino fundamental, entre estaduais e municipais, foram fechadas e os professores foram remanejados para outros estabelecimentos de ensino ou tiveram os seus contratos encerrados.

O fechamento das escolas do campo também vem sendo utilizado como estratégia política para justificar a redução de investimentos em formação de professores para atuação nesses espaços. Fundamentando-se na lógica propositalmente aligeirada e superficial de que não há demanda por escolas do campo, conclui-se que não existe a necessidade de investimentos na formação de profissionais para atuação nesses contextos escolares.

Cabe destacar que a Educação do Campo é uma modalidade da Educação Popular, originária de uma realidade incidida, predominantemente, nos espaços considerados rurais e que esse viés da educação tende a alcançar os povos que vivem no/do campo, em espaços agropecuários e de agricultura, famílias pesqueiras, populações ribeirinhas, extrativistas, etc.

Com realidades específicas e demandas também específicas, a Educação do Campo tem o compromisso de municiar, educacionalmente, os povos campesinos, considerando a sua condição social como minoria em políticas públicas, junto a outros grupos sociais. Compreendendo as demandas de alunas/os do campo por uma educação que abarque a realidade em que vivem, é preciso pensar, com a mesma atenção, na preparação de professoras e professores para a atuação em regiões campesinas.

O trabalho pedagógico requer, da formação docente para o campo, uma escuta atenta a vozes que ecoam nesse campo, dentre elas a voz da/o professora/or campesina/o. Nessa possibilidade de diálogo, encontramos múltiplos sentidos que conduzem a um olhar histórico-social e cultural, requisitando pensar a formação do docente para além da sala de aula, a ser realizada na responsabilidade com o outro.

Para que a escola do campo congregue com a realidade do povo do campo e com suas lutas, é importante pensar não somente de fora para dentro da instituição, mas, sobretudo, no olhar que os professores e professoras lançam a respeito do seu próprio papel, como observam o seu cotidiano no campo e o cotidiano da comunidade em que trabalham e, muitas vezes, vivem.

As reflexões sobre a educação do campo não são recentes, elas fazem parte de um grande movimento em defesa da qualidade educacional para os trabalhadores e trabalhadoras que vivem no campo. No entanto, essa ainda não é uma prática concreta em todos os espaços educacionais do meio rural que, muitas vezes, reforçam estigmas preconceituosos quanto ao modo de vida, aos hábitos, à cultura, aos conhecimentos e à própria identidade dos camponeses.

Muitos avanços já podem ser observados, contudo, permanece a precariedade da formação docente nas escolas do campo, os problemas como os poucos anos de escolaridade, a falta de propostas de formação por parte dos órgãos gerenciadores dos sistemas de ensino e a ausência de políticas públicas educacionais que visem à prática eficaz e dirigida a esse público específico, afinal, a formação para educadores e educadoras do campo, em sua maioria, não considera as particularidades da/o educadora/or e dos sujeitos campesinos.

Com vistas a reverter esse quadro, os movimentos sociais do campo prosseguem na busca incessante para que o aparato educacional discuta um currículo voltado a essa realidade, para que se pense formação considerando o profissional do campo e, por conseguinte, o estudante do campo, e para que a escola do campo não invisibilize a história dos camponeses, negando a cultura de um povo. Seguem na luta para evitar que as escolas do campo sejam fechadas de maneira indiscriminada, sob a alegação de ausência de demanda, de despreparo de professores e de falta de recursos para manutenção dessas instituições de ensino.


Imagem de destaque: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

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