O erro de Focault ?

José Gonçalves Gondra

No livro “Em defesa da sociedade”, Michel Foucault procurou pensar as formas históricas da dominação. Neste livro, postula e analisa a existência de duas: a soberania e a disciplina.

Para ele, o modo de exercício do poder soberano consistiria em “Fazer morrer, deixar viver”. Um rei podia fazer seus súditos morrerem quando bem entendesse. Afinal, vidas humanas pertenciam aos domínios soberanos como tudo mais presente em seus territórios. Mas se não houvesse razão para promover a morte, deixava que vivessem do modo que pudessem.

Já nas sociedades disciplinarizantes, o horizonte consistiria em “Fazer viver, deixar morrer”, pois não interessaria aos governantes mandar matar seus governados. O mais importante seria determinar os modos de como as pessoas deveriam viver e se comportar para servir à reprodução do capital.

Por isso, deveria estar sujeito a um esquema normativo, cada vez mais meticuloso. Para cada doença, um remédio. Para cada idade, uma conduta. Para cada gênero, um código. Esquema que deveria considerar a população em termos de sua localização, sexo, idades, graus de instrução (…), de modo a organizar o que Foucault chamava de biopolítica, isto é, a gestão do múltiplo e do um.

Um fenômeno típico da forma contemporânea de dominação consiste precisamente na medicalização da vida, bastante acentuada com a proliferação das doenças e adoecimentos, articulada à lucrativa indústria da saúde e da farmacologia.

O exemplo mais recente da dominação via ordem médica consiste nos desafios derivados da pandemia decorrente da disseminação do novo Coronavírus, que desconcerta as ordens dos saberes, fundamentos da economia e funcionamento geral da sociedade.

Frente às (des)ordens, há uma verdadeira corrida para definir as melhores condutas, profilaxia e medidas preventivas, associada às estruturas de produção de saberes, insumos e materiais instaladas nos diversos países e dentro de cada um deles, que fabricam determinadas representações da doença para orientar políticas e modos de gerir a vida.

No caso do Brasil, ao observar as orientações e condutas do atual presidente da República, parece que Foucault errou na ontologia do presente. Erro que só se sustenta quando se pensa a história como uma linha sucessória de acontecimentos. Como não era esta a filiação de Foucault em termos da teoria da história, é possível considerar o acerto de Foucault para perceber a tentativa de retorno à lógica da soberania por parte do atual presidente.

Aos que não se ajustarem ao que o soberano ordena, resta a morte, simbólica ou real. Inicialmente, de velhos e pobres, com os benefícios previdenciários e econômicos destas vidas que, na lógica do soberano, tem menos valor ou valor algum. Os velhos porque pesam; os vulneráveis, porque não contribuem. É a velha forma de condenar a morte, desta vez, por aquilo que, efetivamente, não é uma “gripezinha” ou um simples “resfriadinho”.


Imagem de destaque: Instalação Kaltes Quadrat de Tom Fecht na entrada do Federal art and exhibition hal em Bonn, Alemanha. Fonte: WikimediaCommons

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