O ensino da ciência e da evolução – Capítulo I

-A batalha nas escolas-

Antonio Teixeira
Luiz Antonio Barreto de Castro*

Quando o professor de segundo grau reluta atender telefone com receio de que um pai irado pela suposição de que a teoria da evolução vai ser ensinada ao seu filho, ou quando o jovem angustiado, temendo perder a fé que lhe foi incutida pela sua congregação, evita matérias da biologia e perde a oportunidade de vivenciar a ciência, existe mal entendido.

A explicação para tal é encontrada nos retratos distorcidos, talvez, formulados por leigos em falta de leitura. Entretanto, prevalece a compreensão de que biologia da evolução e fé cristã não é incompatível e, gradativamente, o homem civilizado sustenta a ambas, pois, a todos interessa apenas a melhor ciência; os dedicados cientistas religiosos consideram que é péssimo dizer que ciência e religião digladiam. Qual é a desavença? Como essa querela afeta a liberdade de ensinar o saber científico em nossas escolas?

Para responder perguntas, a malquerença com a Teoria da Evolução das Espécies por Meio da Seleção Natural e os pretextos litigantes que levam mal estar às mentes de jovens inteligentes e curiosos é discutida em quatro capítulos pelos cientistas: teólogo e pastor luterano, biólogo evolucionista católico romano, e por cientista pensador laico.

Capítulo I

No campo enfumaçado de batalha é possível identificar o fim dos ataques contra a Teoria da Evolução no mundo em busca de civilidade.

Em 2004, o Diretor de uma escola do distrito de Dover, na Pensilvania, EUA, requereu aos professores que os seus alunos de biologia apresentassem atestado para isentá-los das aulas sobre Teoria da Evolução1 com uma justificativa singular: A evolução darwiniana ainda é uma teoria que está sendo testada. Uma teoria não é um fato; existem lacunas que não foram preenchidas pelas novas evidências. O atestado sugeria o Relojoeiro Inteligente como alternativa à teoria da evolução visto que “as várias formas de vida surgiram abruptamente pela agência inteligente, e, assim, peixes têm guelras e escamas e pássaros têm penas e bico”. Uma queixa foi impetrada na Corte da Pensilvânia contra a leitura dessa justificativa nas escolas porque a teoria do Relojoeiro Inteligente não é científica. A Corte concluiu que o Diretor violou a Constituição ao incluir sua versão de Cristandade na aula de ciências e considerou a improcedência do ataque, pois se trata de religião e não de ciência2-4.

Qual é a aréola da disputa?

Vejamos: a natureza é repleta de arco-íris de criaturas de incontáveis espécies encantadoras com variedade ilimitada e beleza estonteante. De onde surge tanta diversidade? As espécies mudam incessantemente ao longo do tempo? Para responder a essas perguntas Charles Darwin considerou que longo e incontido processo de aproximação, associação, colaboração, simbiose e persistência propiciam a evolução das espécies pelo aumento da complexidade da organização de caracteres sujeitos a seleção natural1. Darwin acrescentou que evolução significa descendente com modificação. Esses persistem e continuam a vida mediante engenharia magnifica da reprodução sexuada. Os descendentes modificados pelas mutações aleatórias podem ser mais bem adaptados ou menos adaptados para a sobrevivência.Ele disse também que diante de crise ambiental ou confrontação, indivíduos morrem antes de reproduzirem-se, interrompendo a continuidade da evolução. O que Charles Darwin disse está no seu livro original sobre a evolução das espécies, publicado em 18591. Darwin jamais apresentou explicação para a origem do universo. A teoria da evolução não é uma teoria sobre a criação e, portanto, não se reconhece o objeto da disputa.

Os cientistas neodarwinianos mostram que evolução significa descendentes modificados mediante aquisição de mutações compatíveis com a vida5,6. As mutações são herdadas com as modificações, ou seja, com DNA enxertado no genoma localizado no núcleo de cada célula. Verificaram que as espécies evoluíram ao longo de milhões de anos e que as novas espécies emergem mais bem adaptadas ao ambiente. A herança das mutações adquiridas é denominada deriva genética, fenômeno aleatório sujeito a constantes remodelamentos estudados pela biologia molecular. O processo ininterrupto de deriva, crescimento e remodelamento do genoma é o fundamento da evolução6, 7. Após 170 anos, a teoria da evolução das espécies persiste robustecida pela fundamentação científica de novos conhecimentos de físico-química, genética molecular, geologia, paleontologia, antropologia, sociologia, etc., e este conhecimento multidisciplinar recebeu o nome de biologia da evolução.

Em síntese, Charles Darwin afirmou que evolução é “sobrevivência do melhor adaptado ao meio ambiente”. Diferentemente, os anti-evolucionistas (T Huxley, 1825-1895; F Galton,1822-1911; e HSpencer, 1820-1903) mal interpretaram a teoria da evolução como “sobrevivência do mais forte”. Desde então essa interpretação incorreta tem sido usada para justificar todo tipo de crueldade contra o mais “fraco” que pode ser eliminado, também, pela seleção natural. Entretanto, os cientistas sabem que se houvesse uma hecatombe nuclear apenas as espécies mais adaptadas sobreviveriam: baratas, roedores e demais animais que habitam as cavernas. O Homo sapiens mais frágil sucumbiria à hecatombe.

A ciência avançou celeremente nos últimos séculos porque se tornou modelo da construção coletiva do saber potenciado pelas mentes talentosas que investigam hipóteses originais em laboratórios de universidades e centros de pesquisa em todo o mundo civilizado. Os países onde há liberdade para fazer as perguntas mais difíceis, sobre as quais seria impossível antecipar uma resposta, lideram a produção de conhecimento novo, novas tecnologias e inovação.

O saber científico tem sido conquistado nos países que priorizam a educação, com estímulo à curiosidade e a dúvida em mentes criativas que alcançam a imprevisibilidade, com base na teoria da evolução norteadora da pesquisa científica. A natureza pródiga sustenta diversidade sem limite e, muitas vezes, flores lindas nascem no pântano. Os cientistas afirmam que a evolução tem fundamentação humanitária porque sustenta a igualdade de oportunidade para todos, pela via da educação qualificada para pensar com liberdade. Nesse sentido, há muito que fazer para melhorar a qualidade da educação no Brasil, com imenso potencial criativo. O efeito benfazejo do saber científico com base na teoria da evolução está embutido na história da civilização.

A ciência avança, e sabe-se que a biologia da evolução poderá ser substituída por outra teoria que tiver melhores possibilidades de produzir novas drogas para cura de doenças e, também, uma melhor compreensão sobre o fenômeno da beleza insuperável encontrada em cada detalhe de uma vida. Por tudo isso, a evolução darwiniana aceita como a melhor teoria nos dias de hoje, inspiradora de pesquisa original e conhecimento novo, paradigmático, que promove saúde e prolonga a vida com melhor qualidade, deve ser ensinada em todo sistema educacional brasileiro em busca de conhecimento e civilidade.

Citações

  1. Darwin C. Origin of Species by Means of Natural Selection, London: 1st edition, 1859.

  2. Ruse M. Can a Darwinian be a Christian? Cambridge: Cambridge University Press, 2001.

  3. Numbers RL. The Creationists. Berkeley CA: University of California Press, 1992.

  4. Davis P & Kenyon D. Of Pandas and People. NY: Haughton, 1989.

  5. Gregersen NH. Beyond the Balance: Theology in a Self-Organizing World. in: Design and Disorder, edited by Niels Henrik Gregersen and Ulf Görman (London and New York: T&T Clark, 2002.

  6. Margulis L and Sagan D. Acquiring genomes. A theory of the origins of species. Basic Books, New York, 240 p. 2002.

  7. Teixeira, Antonio. Doença de Chagas: uma ficção científica. Editora Kiron, Brasília, 2017.


*Agrônomo, pesquisador da EMBRAPA/CENARGEN tem pós-doutorado em biologia molecular de plantas na Universidade da Califórnia, e Ex-Secretário Executivo do PADCT/MCT/BR.

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