O discurso de ódio e o papel da escola

Cláudia Maria Abreu Cruz
Manuela Abreu Corradi Cruz

É alarmante constatar o exponencial aumento de discursos de ódio e incitamento à violência, à discriminação e à intolerância, que foram precursores, na história da humanidade, de crimes atrozes como o genocídio. Mais recentemente, o uso das redes sociais e a velocidade como as informações são disseminadas acabam também por contribuir para uma espécie de “não-responsabilização” pelo que se reproduz, pelo que se afirma e se compartilha, resultando em discursos, opiniões e comentários que trilham o caminho da discriminação, desumanização e perseguição. É também alarmante constatar o aumento de figuras públicas e discursos públicos que se utilizam de retóricas e declarações inflamatórias, exacerbando o estigma, o racismo, a perseguição das minorias, mulheres, pessoas migrantes entre outros, colocando em ênfase tensões raciais e sociais e ameaçando os direitos humanos, os valores democráticos e a paz. De acordo com a Estratégia e Plano de Ação das Nações Unidas sobre o discurso de ódio, não há uma definição legal internacional deste “conceito”, mas é possível compreendê-lo como “qualquer tipo de comunicação na fala, escrita ou comportamento, que ataca ou usa linguagem pejorativa ou discriminatória com referência a uma pessoa ou grupo com base em quem eles são. Em outras palavras, com base em sua religião, etnia, nacionalidade, raça, cor, descendência, sexo ou outro fator de identidade.” Este tipo de discurso pode ser simplesmente replicado pela “leveza” ou falta de critérios e crítica sobre as informações recebidas e/ou compartilhadas, mas também é fruto de questões estruturais, que encontram-se enraizadas em atitudes, políticas, relacionamentos e padrões que replicamos enquanto indivíduos e coletivo.

Na atual era digital em que vivemos e sua eficaz disseminação de informações, o combate ao discurso de ódio e ao incitamento à violência, à intolerância e à discriminação é sem dúvidas uma responsabilidade de todos/as. Ao refletir sobre o papel da escola, é inegável reconhecer que, embora a mesma tenha sempre tido um papel fundamental e de responsabilidade no combate ao preconceito e à      discriminação, uma nova reflexão e abordagem sobre o exercício dos direitos à liberdade de expressão e opinião e seus limites existentes torna-se imperativo e mais necessário que nunca. A escola é um espaço privilegiado onde o indivíduo aprende, na dinâmica coletiva da sala de aula, a reconhecer outros indivíduos como sujeitos de direitos, a colaborar e compartilhar. E neste sentido, o uso das tecnologias como ferramentas didáticas além de beneficiar o processo de ensino e aprendizagem, favorece a análise e verificação de informações, colaborando para uma melhor compreensão do que realmente acontece e dos desafios das nossas sociedades atuais. Ao mesmo tempo, combater o ódio e o incitamento à violência, à intolerância e à discriminação pode ser muito mais perigoso e difícil do que prevenir o discurso de ódio, em ações continuadas que reforcem o respeito e o valor da dignidade humana. As escolas devem, portanto, não somente desafiar e combater tais práticas, mas também buscar alternativas eficazes de abordagem, como por exemplo, uma abordagem sobre o poder e os danos da “desinformação” que recebemos a todo o tempo, em mensagens de grupos de WhatsApp, em comentários que escutamos, em piadas reproduzidas, em posts do Twitter ou de outras redes sociais. Abordar questões/fatos reais, adotando práticas em relação aos danos que podem resultar de discursos e falas que parecem somente “expressar livremente opiniões e ideias” para um entendimento informado pode ser a chave para que o ódio e a intolerância não prosperem pela falta de conhecimento e passividade. Cabe aos/às professores/as, diante de discursos de ódio, disseminadas nas redes sociais ou outros espaços, criar momentos de reflexão nas salas de aula, e não somente se opor a tais manifestações de ódio e incitamento à violência, à intolerância e à discriminação, desconstruindo tais narrativas, mas utilizando-se de uma abordagem propositiva, focada no diálogo, na igualdade e no respeito à diversidade. Combater a desinformação, apresentar dados sólidos e histórias humanas verdadeiras como forma de aprendizagem pode ser uma ferramenta eficaz na prevenção e combate do discurso de ódio, sobretudo em um momento em que o valor dos fatos, da ciência e da história parece estar tão ameaçado.


Imagem de destaque: Camila Souza/ GOVBA

¹ Nações Unidas, Plano e Estratégia de Ação sobre o discurso de ódio, 2019

²Para aprofundar sobre o tema, consulte: E. Keen e M. Georgescu, Manual para o Combate do Discurso de Ódio Online através da Educação para os Direitos Humanos, Edição revista, 2016.

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