O dia que levei uma varada

Elaine Teixeira Pereira

Apesar de não ser novidade que, por algum tempo, os castigos físicos fizeram parte da cultura da escola primária, percebo certa surpresa quando conto sobre o dia em que levei uma varada. Foi na escola. Mais precisamente, na 3ª série do (então) 1º grau.

A vara colhida na vegetação do próprio bairro, ou a régua grande de madeira (comprada e com acabamento mais moderno), eram objetos que pareciam conquistar a afeição das professoras de minha escola. Não apenas da minha, é verdade. Isso não quer dizer que elas fossem más professoras, ou algo assim, pois ter e usar esses objetos fazia parte da cultura escolar do período, como disse. Ou, talvez, das permanências, em minha escola, quanto às práticas dos castigos corporais, em muitos locais já extintos (afinal, estamos falando da segunda metade dos anos 1980).

Pois, dentre as permanências, lembro-me de uma variação. O chinelo! Isso mesmo: uma das professoras da escola onde eu estudava contava com o chinelo como aliado diário na tarefa de ensinar seus alunos e alunas. Os dela eram amarelos, de borracha, com solado reto e muito grosso. Tinham, ali, mais de uma função: ela os usava como calçado, mas, quando necessário, despia um dos pés e transformava magicamente seu chinelo num instrumento que nos fazia lembrar das respostas corretas – ou, ao menos, de nunca mais esquecê-las.

Às vezes acho que a varada substituiu de alguma forma a chinelada que não ganhei no ano anterior. Explico: a professora dos chinelos amarelos não era da minha turma, mas um dia ficamos sob sua responsabilidade, pois nossa professora havia faltado. O planejamento com as duas turmas unidas foi estudar a tabuada. Talvez estudar não seja a melhor palavra, pois o exercício supunha um estudo anterior, uma vez que consistia em a professora perguntar uma das sentenças da tabuada e o/a escolhido/a dizer prontamente o resultado. Caso errasse, ou não soubesse, o desfecho consistia em ir até a frente da sala, junto à mestra e, com as duas turmas como expectadoras, ganhar uma chinelada. Esta parte ela explicava mais ou menos, deixando nossa imaginação se encarregar dos complementos.

E eis que a “atividade” com a professora dos chinelos amarelos começou. Após presenciar alguns sucessos e outros insucessos nas respostas dadas pelos colegas, ouvi meu nome. Veio acompanhado da fatídica pergunta: “duas vezes três?” Um grande medo me invadiu, pois constatei que não sabia o resultado. Estava na 2ª série e não sabia. Ou não lembrava. O fato é que ganharia a chinelada! E na frente de todas aquelas outras crianças. E, ainda, em lugar de destaque na sala de aula. Muito provavelmente a circunstância doeria mais que a “chinelada na bunda”, como se dizia.

No mesmo instante, porém, uma alma caridosa apareceu à porta, chamando a professora. Outra logo surgiu na classe, proferindo a sentença de salvação: “Seis! O resultado é seis.” Quando a professora retornou, tratei de dar logo a resposta e ganhei um “muito bem”. Aliviada, lembrei de olhar para a colega que havia me dado o resultado. Estava salva. Ao menos, naquele dia.

No ano seguinte não tive a mesma sorte. Se bem que o contexto foi outro. Estava na 3ª série e a professora, ao invés de chinelo, usava vara. Deixava o objeto à mostra, o que diminuía a necessidade de usá-lo. A vara servia como instrumento de educação do corpo quando alguém não conseguia ficar no lugar, ou quieto, ou seguir a orientação. Ou tudo isso junto.

O dia da minha varada não teve nada de especial – além deste fato, obviamente. Lembro-me que a turma estava barulhenta e deixando a professora de cabelos em pé. Ela avisou várias vezes. Pediu. Ameaçou. Mas não teve jeito. Então, disse que o próximo que saísse do lugar, levaria varada. E alguns levaram mesmo.

Passados alguns minutos desde a última vítima, acabei saindo do lugar. Não estava enxergando o conteúdo que deveria copiar do quadro, então levantei-me e fui até uma mesa próxima. Já finalizando a cópia da parte antes impossível de discernir, vi a professora deslocando-se em minha direção, muito rápida, com um olhar enfurecido. E ela cumpriu sua promessa. Deu-me uma varada no braço. Se fosse pensar pela lógica das situações, “mereci” a chinelada, mas não a varada. Contraditoriamente, da primeira fui salva.

E foi assim que aconteceu. O que dia em que, na 3ª série do 1º grau, em uma escola reunida, de um bairro distante, de uma pequena cidade catarinense, da segunda metade dos anos 1980, levei uma varada.

Imagem de destaque: @jacobbrog

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