O brincar entre o céu e a terra mora em vários lugares

Larissa Altemar
Coletivo Geral Infâncias

Brincar entre o céu e a terra é um tema que nos pega pela mão e nos leva para passear ao redor de nós mesmos. Nos pede para sentar no chão. É um tema que tem como melhores amigos a filosofia das palavras, a geografia do corpo, a gramática do afeto e, por que não, as significâncias da vida. Nos leva a centralizar algo, que no mundo adulto parece ser convocado com menos frequência do que na vida da criança: a imaginação. Onde é que ela mora? No céu ou na terra?

Primeiro ela mora num lugar fechado, quentinho, com sons que parecem longe, um lugar onde não tem teto e não tem nada. Tem algo que vibra, e que mais tarde vamos descobrir que são sons, e que buscávamos entender seus significados pelos movimentos.

A imaginação nos acompanha quando somos trazidos para o mundo de fora. De fora de onde? De onde os sons e as vibrações vêm. Agora tem espaço. Às vezes, ainda precisamos ficar seguros nos braços de alguém que parece que está fora e dentro de nós ao mesmo tempo. Esse alguém às vezes sumia, e quando vibrávamos dentro, com sons que vem de dentro de nós, esse alguém aparecia. Era o choro. Nossa primeira maneira de começar a desvendar esse espaço entre o céu e a terra. Vemos um espaço em cima, além dos olhos daquela pessoa que nos cuida. E tem o espaço embaixo, que sentimos primeiro com o corpo todo, e com o passar do tempo passamos a sentir mais com os pés.

Brincamos/ pensamos com os sons e com esse corpo, que vai ocupando cada vez mais espaço e mostra que mais espaços temos a descobrir. Passamos do pensar/brincar de dentro para o pensar com coisas, pegamos tudo, olhamos tudo, e isso é fome de céu e de terra.

É que quando pegamos em coisas, qualquer coisa, descobrimos espaços que estão além do corpo, das mãos e dos pés, parece que estão dentro das coisas. Mas também estão dentro da nossa cabeça. Mas é impossível que esse espaço caiba lá dentro no escuro? “Basta uma gota de água poderosa para dissolver a noite”, já dizia Bachelard.

Basta um vento para imaginarmos as copas das árvores se mexendo. Basta um banco de areia para termos um castelo e uma vila inteira, até que o sinal toca. Basta uma chama de fósforo para que uma fogueira possa estar assando a caça das aventuras ou da vida vivida naquele dia. Aventuras de esconder e achar atrás de um paninho. A ousadia de produzir sons que desconhecíamos. Do desafio de colocar no lápis e no papel, ou na terra, o que mora dentro da cabeça. Mesmo que isso ainda não tenha significado do lado de fora.

A imaginação mora nas mãos, nos olhos e nas palavras. Mora em uma nuvem ou no segredo que o vento trouxe. Gandhy Piorski fala que “quando a imaginação da criança encontra a natureza ela se encontra“. Os elementos que existem entre o céu e a terra são a matéria prima para que tudo que existe nesse espaço se materialize. As naturezas se mostram cotidianamente de diferentes formas para as crianças, em tudo que ela vê, ouve e percebe, ou seja, em tudo o que ela vive.

As crianças quilombolas, indígenas, urbanas e as rurais se conectam como o céu e a terra, de maneiras diferentes. Atravessadas pelo ser no mundo, alcançam diferentes universos. Tudo isso através dos mundos que os adultos e os ritos apresentam.

Mas uma coisa é certa, a capacidade de imaginar aquilo que não está, é fruto daquilo que a criança viveu, viu ou ouviu, e suas combinações. Pois são suas referências que semeiam tudo que existe entre o céu e a terra. E existe uma dimensão que isso vai tomando com o tempo, e o corpo inscrito nesse tempo.

Graus de combinações mais complexos vão florescendo do vivido, do incômodo e do desejo de habitar, ora o céu, ora a terra, e ora os dois ao mesmo tempo.

A imaginação mora nas perguntas de onde viemos e para onde vamos, que atravessam civilizações e gerações desde sempre entre o céu e a terra. Ela mora na fuga e no achado de si mesmo, que toma outra forma na vida adulta, mas sempre esteve lá. Ela impera nessa fascinação que as crianças têm pelos planetas, galáxias e a compreensão do universo.

A imaginação tem morada constante onde tem espontaneidade, numa maneira de pensar com o corpo todo. A imaginação é que ocupa o brincar entre o céu e a terra. Uma ocupação que amplia os espaços vividos e sentidos. De pensar em futuros possíveis e impossíveis. É preciso pensar em futuros possíveis, aponta Paulo Fochi.

A pandemia, uma palavra de tanta intensidade, nos leva a todos, com força, ao espaço do devaneio, da incerteza e do inesperado. Nos convoca as necessidades de pensar/imaginar futuros com pequenas e grandes diferenças, e a necessidade de imaginar outras configurações de mundo. Ailton Krenak nos lembra disso em suas falas. E as crianças imaginam, pensam, brincam mundos possíveis com ou sem isolamento social, pensando em outras configurações de brincar/ pensar e entender o céu e a terra.

É nesse espaço possível entre céu e terra que o Coletivo Geral Infâncias olha e desbrava. Hoje estamos aqui representando esse grupo diverso, que na impossibilidade de brincar nas ruas com as crianças, se junta para brincar com as palavras e falar da sensibilização dessa linguagem, como forma de viver e estar no mundo entre crianças e adultos.

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Esse texto foi escrito para a live “Entre o céu, a terra e as diferentes linguagens do brincar” que aconteceu em 31 de maio de 2020, como parte da programação da Semana Mundial do Brincar, através do Instagram do Coletivo Geral Infâncias.


Imagem de destaque: sasint / Pixabay https://zp-pdl.com/online-payday-loans-cash-advances.php female wrestling https://zp-pdl.com/how-to-get-fast-payday-loan-online.php https://zp-pdl.com/emergency-payday-loans.php http://www.otc-certified-store.com/herbal-products-medicine-europe.html

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