O avanço das escolas cívico-militares

Antonio Carlos Will Ludwig*

Em janeiro deste ano, por meio de um decreto, o atual Presidente da República criou a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares. Com base neste documento, foi divulgado em julho nos meios de comunicação que o Ministério da Educação almeja implantar cento e oito escolas cívico-militares nos próximos quatro anos. Neste mês de setembro outro decreto foi promulgado instituindo o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares bem como apareceu a notícia de que este número dobrou. Atualmente, mais de duzentas delas, resultantes de parcerias com o setor público, já se encontram em funcionamento. São escolas comuns que se transformaram em instituições educativas cívico-militares. Assim que o primeiro decreto foi publicado iniciou-se uma polêmica envolvendo grupos favoráveis e contrários ás mesmas, a qual vem se intensificando na medida em que o tempo passa.

No âmbito desta polêmica não tem sido recorrente a indagação sobre os plausíveis motivos que tem levado os militares a se envolverem com o ensino público. Tal indagação é muito importante uma vez que se trata da ingerência dos mesmos em um setor que não é da alçada deles a qual gera implicações e consequências.  Quais seriam então os presumíveis motivos?  Uma compaixão para com os segmentos desfavorecidos da sociedade? O costume de realizar ações cívico-sociais? O hábito adquirido em consequência das diversas ingerências no ensino público?  A tentativa de barrar um suposto avanço da guerra cultural? É possível aceitar que estes e outros prováveis motivos existam e possam ter alguma influência, mas não são essenciais e nem decisivos. O fator substancial que os acionam só pode ser o imaginário contido em suas mentes cujo conteúdo agrega o sentimento de superioridade moral e intelectual reproduzido incessantemente desde há mais de um século até os dias de hoje em decorrência do processo de educação e de socialização a que são submetidos, o qual pode ser ponderado com base no argumento de que os militares são preparados para serem guerreiros. Entretanto caso não seja este imaginário o motivo principal, qual deve ser ele então?

Outro aspecto destacado da polêmica em questão é se elas representam uma militarização do ensino público. A resposta oficial que se encontra no portal do Ministério da Educação é negativa a esse respeito porquanto diz que as mesmas visam “contribuir com a qualidade do ensino na educação básica, além de propiciar aos alunos, professores e funcionários um lugar mais seguro, passível de uma atuação focada na melhoria do ambiente e da convivência escolar”. Apesar de ser uma meta relevante e almejável, percebe-se claramente que se trata de uma resposta evasiva e desviante que não responde a questão colocada. Se militares se encontram entre os responsáveis pelo projeto destas escolas, se o Ministério da Defesa é o parceiro gêmeo do Ministério da Educação para viabilizá-las, se é a presença deles nas escolas civis que as movimentam e se são concepções militares que as norteiamparece impossível asseverar que não se trata de uma militarização da educação pública. Se não é militarização, então o que é? Porque o Ministério da Educação apresenta uma resposta que não tem nada a ver com a pergunta?

Embora o exame dessas questões seja relevante, existem outras de igual importância que não foram colocadas ainda e estão relacionadas ao funcionamento real dessas escolas. Tal funcionamento está sendo concretizado em função de um modelo educacional pré-estabelecido e é por causa dele que tais questões emergem. A esse respeito os dois decretos mencionados apontam que as escolas cívico-militares devem ter por referênciaos “padrões de ensino e modelos pedagógicos empregados nos Colégios Militares do Exército, das Polícias Militares e dos Corpos de bombeiros”. Parece indiscutível que uma análise desses modelos viabiliza o posicionamento dessas questões.

Por sua vez esta análise exige que uma ideia de modelo seja apresentada. Assim sendo, e com base na concepção estruturalista pode ser dito que ele se mostra como uma configuração composta de vários elementos em interação cumpridores de funções específicas. Parodiando Lévi-Strauss, pode ser dito que o modelo não é a realidade objetiva e sim uma representação dela. Com efeito, qualquer aspecto desta realidade, ao contrário do modelo, é multideterminado, e como tal, é dinâmico, pois encontra-se sujeito a constantes alterações que podem atingir o nível da radicalidade gerando um salto qualitativo. Em decorrência o modelo que se mostra estável tem que ser reconfigurado.

Norteado por este entendimento é possível então expor o modelo educacional das escolas cívico-militares. Empregado nos citados colégios ele é composto por quatro elementos. Dois deles: a uniformização e a diferenciação constituem o núcleo básico. A uniformização visa incutir uma identidade militar comum a todos os alunos a qual agrega os modos de pensar, sentir e agir. A diferenciação tem por escopo valorizar a manifestação da originalidade pessoal, das qualidades singulares que cada um possui. Para alcançar a uniformização exige-se dos discentes o cuidado com a aparência pessoal, o uso de uniformes, o gesto da continência, a entoação de canções e hinos específicos, a obediência às ordens, o cumprimento dos regulamentos, a ocupação de lugares pré-determinados, a prática da ordem unida, o deslocamento grupal em marcha, etc. Esta uniformização atende à crível finalidade de uma instituição bélica de se constituir como um grupo distinto e homogêneo dotado das características específicas requeridas. A diferenciação é granjeada pelo estímulo ao estudo e à obtenção de notas altas, pelo incentivo às condutas de inciativa e protagonismo e pelo encorajamento à exibição de comportamentos destacados. Esta diferenciação atende à finalidade dos estabelecimentos castrenses de manter a escala hierárquica e utilizar o mérito como critério determinantepara o desempenho de certas funções. No caso dos colégios a instauração do escalonamento do corpo discente e a determinação do líder de turma e doporta bandeira por exemplo.Dentre as questões que podem ser aqui colocadas cabe apontar quatro: Este modelo é adequado para a formação dos alunos do ensino público? Os dois aspectos do modelo estão sendo nelas postos em prática? Nas novas escolas eles serão aplicados?  Quais as justificativas caso apenas um deles esteja sendo ou venha a ser concretizado ou enfatizado?

O terceiro elemento do modelo é a pedagogia tecnicista que fornece os recursos necessários ao processo formativo tanto no aspecto da uniformização quanto no aspecto da diferenciação. Como muitos sabem a mesma se baseia nos princípios da racionalidade, da eficiência e da produtividade e requer a instauração de um roteiro sequencial assim estabelecido: definição das competências, estabelecimento de objetivos realizáveis, seleção das estratégias de ensino aprendizagem e escolha dos critérios de avaliação. Ela tem por finalidade transformar o ensino em algo concreto e operacional, pois sua meta mais importante é a de garantir que o aluno assimile conhecimentos, desenvolva habilidades e internalize atitudes. A materialização da pedagogia tecnicista por meio deste roteiro exige a presença de um aparato considerável que existe nos colégios militares tais como um setor de planejamento, um setor de avaliação, um setor encarregado dos recursos auxiliares, uma equipe de psicólogos e pedagogos, uma equipe de professores capacitadose uma equipe encarregada do material de apoio.. Tudo isso tem um custo bastante elevado. Perguntas: Nas atuais escolas cívico-militares a pedagogia tecnicista vem sendo empregada tal como nos colégios militares? Nas novas escolas ela será utilizada? Se não, por quê?

Note-se que o processo de uniformização e diferenciação sustentado pela pedagogia tecnicista é movimentado por um tipo peculiar de gerenciamento o qual constitui o quarto elemento. Ele diz respeito a uma estrutura na forma de pirâmide em cujo vértice repousa a autoridade máxima. Por essa razão é centralizadora para preservar a unidade de comando. Cada setor opera com autonomia, subordinando-se apenas em relação à autoridade de linha, ou seja, na vertical. Este estilo administrativo é o mais antigo e o mais simples de todos além de ser muito flexível. Embora nos quartéis seja comum a emissão de ordens pela autoridade superior e o devido cumprimento das mesmas nos escalões inferiores não é raro acontecer que ocupantes de cargos superiores consultem seus comandados antes de tomar uma decisão. Tal estilo permite também que a decisão possa vir a ser tomada de maneira democrática, ou seja, por consenso ou por voto da maioria.Vale notar que as escolas cívico-militares são obrigadas a obedecer a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Em ambas é previsto que nas instituições educativas seja empregada a gestão democrática. As perguntas que emergem então são as seguintes: Nas atuais escolas cívico militares esta forma de gestão vem sendo praticada? Nas novas escolas ela será utilizada?  Se não, por quê? As respostas à estas perguntas e às demais aqui colocadas são bem vindas pois além de contribuírem para um debate mais consistente e profícuo podem servir para aumentar a rejeição ou a aceitação das escolas cívico-militarescomo política educacional do atual governo.

*Professor aposentado, pós-doutor em educação pela USP e autor de Democracia e Ensino Militar e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania (no prelo).

Imagem de destaque: Antonio Cruz/ Agência Brasil 

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