“O amanhã não está à venda”: diálogos com Ailton Krenak

Alexandra Lima da Silva

Publicado durante o avanço da Covid-19 no Brasil, o e-book O amanhã não está à venda traz uma importante reflexão do ativista e pensador Ailton Krenak. A meu ver, este ensaio é a continuidade de muitas questões já discutidas no livro Ideias para adiar o fim do mundo, publicado pela Companhia das Letras em 2019.

De forma instigante e provocativa, o texto de Ailton Krenak é um convite a pensar junto um outro mundo, algo que os povos indígenas já tentam nos ensinar há muito tempo: a natureza precisa de tempo para se recuperar. Para que essa recuperação ocorra, a sugestão é parar as atividades humanas que ameaçam a vida nos rios, árvores, e das muitas espécies e ecossistemas ameaçados “pelo desenvolvimento e pelo progresso”. Sim, o mundo parou.

Uma pandemia fez tudo parar.

Mas o que a dor ensina? “Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade” (Krenak, 2020, p. 5).  Porque sim, nos acostumamos a naturalizar a desigualdade e o fato de que grande parcela da humanidade vive na completa miséria, sem direito a nada. Toleramos o absurdo.  A falta de saneamento básico, por exemplo, parece não incomodar muitos governantes, afinal, “brasileiros mergulham no esgoto e não acontece nada”. Mas o vírus poupa a natureza, ele “não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos. Quem está em pânico são os povos humanos e seu mundo artificial, seu modo de funcionamento que entrou em crise”.

Compreender os argumentos de Krenak nos coloca a urgência de não mais aceitar as coisas como estavam: não é natural. As desigualdades não são naturais. O modo de vida que a humanidade escolheu abandona a própria sorte os mais vulneráveis. Não há justiça. Não somos o sal da terra. É doloroso concordar com Krenak quando ele diz que “somos piores que a Covid-19” porque somos destrutivos e predatórios. O que essa pandemia nos ensina? Silêncio. É tempo de recolhimento. É tempo de respeitar nossos limites. É tempo de parar de produzir, de destruir. Respiremos. “É hora de contar histórias às nossas crianças, de explicar a elas que não devem ter medo”. Um outro mundo é possível, acredita Krenak. As coisas não podem ser mantidas em pleno funcionamento, como se a economia importasse mais que as vidas. Ninguém merece ser descartado. Ninguém. Se acreditarmos que as máquinas são mais importantes que a vida, sim, teremos rifado o futuro. A humanidade será, finalmente, devorada pelos monstros que criou.

Para ler:

Krenak, Ailton. O amanhã não está à venda. São Paulo: Cia das Letras, 2020.

Krenak, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia das Letras, 2019.

 

 

 

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