Nevinha Santos e suas memórias de professora – Jane Bezerra de Sousa

Jane Bezerra de Sousa

Nevinha Santos foi uma professora normalista piauiense, diretora de grupo escolar e primeira-dama na cidade de Picos (PI). Aos oitenta e sete anos, publicou suas memórias por intermédio de 15 textos, os quais foram divulgados no Jornal Meio Norte, em Teresina (PI).

Maria das Neves Cardoso Rodrigues nasceu em 12 de março de 1910, na localidade Marruás (PI). Filha de José Olimpio Rodrigues, político e comerciante, e de Lina Cardoso Rodrigues, foi uma das primeiras meninas que saiu para estudar fora e a primeira professora diplomada de Porto (PI). Fez o ensino elementar na cidade de Brejo (MA), onde morava sua avó paterna. Para ali chegar, atravessava-se o rio Parnaíba de canoa e, do outro lado, no município de Repartição, seguia-se a pé ou a cavalo, por 11 km, até chegar a Brejo. A escola pertencia a Dona Belinha Bacelar, ou seja, tratava-se de uma instituição particular, sendo exclusiva para meninas. “Lá, fiz todo o meu curso primário. E com ela, aprendi também a maneira de ensinar crianças”, publicou no Jornal Meio Norte de 22/05/1998.

Ao terminar o curso primário, viajou para Teresina no vapor Manoel Tomaz, indo morar com Dona Mariazinha Alencar e suas filhas, com o objetivo de continuar os estudos. Ingressou na Escola Normal Oficial em 1923 e teve como professores Adelaide Fontenele, Lélia Avelino, Anísio Brito, Sotero Vaz e Higino Cunha, sobre quem enfatizava: “o professor era respeitado tanto pela sociedade quanto pelo governo, que além de pagar bem, não deixava atrasar o salário”, relatou no Jornal Meio Norte de 29/11/1997.

Em suas recordações, a educadora destaca suas amizades desta época, como Nydia Carvalho, Erina, Dagmar Miranda, Hilda, Aldenora e Angélica Martins, amigas estas que nas horas de lazer, recitavam poemas de Olavo Bilac, liam Machado de Assis, cantavam, balançavam-se nas redes, recitavam sonetos de poetas piauienses, faziam festinhas de aniversário para as professoras, e também estudavam as atividades da escola normal. Formou-se professora em dezembro de 1928.

Aos 18 anos, com o diploma de normalista, recebeu um convite para instalar, na cidade de Picos (PI), o Grupo Escolar Coelho Rodrigues, sendo, assim, uma das primeiras professoras a morar e trabalhar na cidade. No dia 29 de janeiro de 1929, acompanhada do Coronel Francisco Santos, das docentes Ricardina Neiva e Alda Neiva, viajou para Picos (PI), durante seis dias.

A inauguração do Grupo Escolar Coelho Rodrigues ocorreu no dia 15 de fevereiro de 1929. A festividade foi realizada pela manhã, onde estiveram presentes as autoridades do lugar, sendo a sessão de instalação realizada pelo Coronel Francisco Santos, na qual discursaram o prefeito da época, Dr. Antenor Martins Neiva, e a professora e diretora do grupo escolar, Alborina Silveira Reis. À noite, ocorreu uma grande festa, onde as três primeiras normalistas de Picos provocaram a maior admiração, pois a sociedade recebeu “três jovens moças, quase meninas, com vestidos nos joelhos, cabelos curtinhos, decotes audaciosos, mangas bem cavadinhas, rouge, batom, alegres, saudáveis, felizes e com um sotaque diferente”. Quando elas saíam à rua, todos iam para as calçadas e janelas para conhecerem as novas professoras que foram intituladas de moças diferentes rememorou no Jornal Meio Norte de 22/10/1997.

Durante os primeiros anos, a escola funcionava na sala de uma pensão de propriedade do senhor Raul Rodrigues. As três novas professoras normalistas foram desposadas por três rapazes de famílias abastadas. Maria das Neves Cardoso Santos casou-se com Adalberto de Moura Santos, Ricardina de Castro Neiva, com Dr. Antenor Neiva, e Alda da Mata Rodrigues Neiva, com Albertino Neiva.

Como professora normalista, Nevinha era contra os métodos tradicionais que tinham por base colocar o aluno de joelho em cima do milho, assim como os famosos bolos da palmatória, pois primava sempre pelo respeito ao aluno, e caso algum deles transgredisse, deveriam apenas ser advertidos.

Na cidade, não havia escolas públicas, e a maioria das crianças de 6 a 14 anos eram analfabetas. Por esse motivo, foi realizada uma seleção, deixando os menores em uma sala e os maiores em outras. Para tanto, não se levou em consideração a idade, pois todos estavam no mesmo nível e necessitavam, sobremaneira, aprender a ler, escrever e contar, indistintamente.

A prática de ensino utilizada na época consistia em explanar os assuntos, onde os alunos faziam suas atividades em sala de aula e os professores levavam os cadernos de atividades dos mesmos para corrigir em casa; no dia seguinte, chamavam-nos um a um e apontavam os erros e acertos cometidos, havendo uma conversa séria com os relapsos. Outra característica era a de que a educadora acompanhava a mesma turma da 1ª a 4ª série. Quando um aluno ficava reprovado nos exames finais, repetia o ano com outra professora. O currículo tinha ênfase positivista e exacerbado patriotismo, pois todos os dias cantava-se o Hino Nacional e depois, o Hino da Bandeira ou do Piauí. Os alunos aprendiam a ler e escrever, tinham noções de história e geografia, sabiam as principais regras de gramática e de matemática, além de assistirem aulas de Educação Moral e Cívica. Praticavam bons hábitos, bons costumes, noções de higiene e respeito às autoridades civis.

O salário, naquela época, era recebido na coletoria estadual. Sobre o valor auferido por ser professora, Nevinha ressaltava: “Amei ensinar, adorei a minha profissão e me sentia muito feliz naquela sala de aula” afirmou no Jornal Meio Norte de 29/11/1997.

Nevinha Santos contraiu matrimônio com o filho do Coronel Francisco Santos, o senhor Adalberto de Moura Santos, no dia 17 de junho de 1930, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus. Com ele, teve os seguintes filhos: Luís Ayrton Santos, Wanda Cardoso Santos, Maria Lina Santos Melo, Teresinha de Jesus Santos, Francisco Newton Santos, José Ewerton Santos. Com a ascensão do Estado Novo, seu marido, conhecido como Bertim Santos, foi indicado a prefeito do município nos anos de 1938 a 1945.

É atribuída grande contribuição ao desenvolvimento da cidade pela atuação de Nevinha, enquanto primeira-dama do município, alfabetizando os presidiários, atuando como diretora do Grupo Escolar Coelho Rodrigues e nos trabalhos do serviço social. A cidade ganhou importantes obras, como: a usina elétrica, o mercado central, o matadouro público, o posto de saúde, a praça Félix Pacheco, a rede de esgotos, o campo de aviação, o prédio da Prefeitura Municipal, a implantação da Escola Municipal Landri Sales, avenidas, ruas, banda de música e fundação do Jornal a Ordem.

A professora e suas companheiras promoveram uma verdadeira revolução cultural na cidade, introduzindo novos hábitos, costumes e métodos; proporcionando o desenvolvimento cultural, com a realização de dramas, recitais de poesias, passeios de barco pelo Rio Guaribas; incentivo à criação da banda de música do município, com integrantes dos filhos da terra. Ademais, estimularam a inovação dos métodos de ensino, recusando o tradicionalismo reinante, como a palmatória e os castigos físicos. Atuou como mestre de vários alunos com destaque na política ou nas letras, dentre os quais, podem-se mencionar: Helvídio Nunes de Barros (senador, governador do Piauí), Fontes Ibiapina (escritor piauiense), Severo Eulálio (prefeito municipal), Antonio de Barros Araújo (conselheiro do Tribunal de Contas do Estado).

Nevinha Santos aposentou-se em 1957, dedicando-se à família, à religião, ao seu jardim e a escrever sua história. Tinha uma excelente memória, assegurava para todos que lembrava de fatos ocorridos aos cinco anos de idade. Uma de suas paixões era escrever – desde adolescente narrava sua vida em diários íntimos, mas resolveu destruí-los por considerar que aqueles textos só diziam respeito à sua vida pessoal. Nesse sentido, dizia que “escrever é uma atividade prazerosa” reconheceu no Jornal Meio Norte de 29/11/1997.

Aos 87 anos, escreveu suas memórias e as publicou no Jornal Meio Norte, detalhando histórias do povoado Marruás, do Rio Parnaíba, de Picos (PI) e de sua vida como professora. Criticava o governo do Estado em 1997, em seus escritos, denunciando os salários atrasados e baixos, que não eram suficientes para o profissional de educação manter a família.

Faleceu em 2 de julho de 1999. Não assistiu à concretização daquilo que alimentou durante anos, de um magistério valorizado. Em seus últimos dias de vida, no Piauí, no final do século XX, viu professores sem esperanças de terem seu trabalho reconhecido. No entanto, legou, por intermédio de seus escritos e no convívio com os outros, o amor pela profissão, a dedicação e o orgulho de ser professora.

Professora da Universidade Federal do Piauí, Doutora em Educação (UFU), Mestre em educação (UFPI), graduada em Pedagogia (UFPI) e História (UESPI).

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