Mulheres cuidadoras de pessoas com deficiência: quem cuida delas? Relato de experiência com projetos socioeducacionais

Relato de experiência com projetos socioeducacionais

Andréa Moreira Lima*

Ana Clara Piedade

Sarah Pires

Esse texto se propõe a apresentar um breve relato da experiência vivenciada entre uma professora/supervisora de estágio, suas(seus) estagiárias(os) do curso de Psicologia e um grupo de intervenção formado, em sua maioria, por mulheres cuidadoras de pessoas com deficiência. A experiência em questão foi desenvolvida por estudantes que, pela primeira vez, foram a campo fazer uma intervenção de estágio em um projeto socioeducacional, visando a educação em direitos humanos e a promoção da saúde mental e da dignidade humana. A prática foi realizada a partir de rodas de conversa que buscaram contribuir para o desenvolvimento de reflexões que possibilitassem mudanças psicossociais.

A experiência foi desenvolvida a partir de uma parceria entre uma instituição de ensino superior, um órgão público estadual e uma associação que trabalha com grupos de mulheres responsáveis por pessoas com deficiência, a partir do enfoque da Psicologia Social Crítica, segundo a qual o sujeito é, ao mesmo tempo, produto e produtor do seu contexto. Assim, por meio das práticas socioeducacionais, visamos a desconstrução de padrões de exclusão social, estereótipos e preconceitos presentes nas relações dessas mulheres consigo mesmas e com a sociedade, possibilitando a construção de processos de empoderamento, articulação e fortalecimento de redes pessoais e sociais.

Apesar de esse estágio ser realizado comumente no âmbito escolar, tivemos a iniciativa de construir uma nova experiência de intervenção em outros ambientes, para além dos muros da sala de aula e dos modelos conteudistas de ensino-aprendizagem. Foi construída uma metodologia de trabalho coletivo que possibilitasse o levantamento de demandas no campo da educação não-formal, com foco na construção de uma cultura da educação em direitos humanos e de direitos e deveres para todas e todos. Alguns estagiários(as) já haviam tido contato com pessoas com deficiência, mas, para a grande maioria, essa foi a primeira experiência lidando com pessoas com deficiência e seus familiares. Toda essa vivência desencadeou um misto de emoções e sentimentos frente aos desafios da prática: ao mesmo tempo em que as(os) estagiárias(os) estavam ansiosas(os) e felizes pela oportunidade, demonstravam receio de não conseguirem lidar com esse novo momento de atuação e de formação acadêmica.

As atividades de campo foram realizadas a partir de entrevistas, observação participante, rodas de conversa e devolutiva institucional, com acompanhamento e supervisão semanal pela professora responsável pelo estágio. As rodas de conversa se desenvolveram considerando três momentos da intervenção socioeducacional: sensibilização, problematização e sistematização. Durante as atividades grupais foi observado como era importante para as integrantes serem vistas para além de suas funções de cuidadoras, isto é, serem reconhecidas como mulheres, trabalhadoras e sujeitos singulares.

A partir do vídeo “a solidão das mães especiais” (disponível no YouTube, publicado pelo Canal “TED”), fomos conhecendo as participantes, observando os pontos de identificação com o vídeo e levantando as demandas individuais e coletivas. Essa análise do grupo permitiu a identificação da importância da criação de uma rede de apoio pessoal e social; também, a partir disso, definimos o tema gerador das rodas de conversa: “Empoderamento Feminino e Redes de Apoio”. No desenvolvimento das atividades, os sentimentos mais apresentados foram: cansaço, fadiga, estresse, desesperança, exaustão, frustração e pessimismo. Dessa forma, buscamos proporcionar ao grupo-alvo a sensibilização e reflexão acerca dos temas abordados e sua relação com as redes de apoio. Percebemos que tal condução propiciou a compreensão acerca do contexto no qual essas mulheres estão inseridas, além de ter possibilitado um certo alívio, acolhimento e fortalecimento de projetos para o futuro.

O trabalho de problematização sobre o tema gerador foi realizado a partir de processos grupais interativos, tais como: dinâmica sobre a imagem de si e do outro; construção da rede de apoio pessoal e social; e a interpretação de músicas reflexivas articuladas às vivências individuais e coletivas. Ao participarem das rodas de conversa, as mulheres fizeram discussões e questionamentos sobre as rotinas exaustivas, as crises identitárias, os estereótipos e exclusão social. Foram discutidas diferentes situações relacionadas às questões levantadas, algo que contribuiu para a desconstrução de preconceitos e para a construção de possíveis estratégias de ampliação da qualidade de vida. Foi trabalhado a ressignificação da subjetividade em prol do desenvolvimento da autoestima e do empoderamento psicossocial. Desse modo, percebemos que as intervenções realizadas proporcionaram reflexões críticas sobre o empoderamento feminino e sobre a importância das redes de apoio e de seu fortalecimento na construção de uma identidade emancipada.

A realização dessa experiência de Projetos Socioeducacionais foi de suma importância e enriquecimento para ambas as partes. O estágio contribuiu de maneira gratificante para todas as pessoas responsáveis pelo trabalho em campo, tanto no aspecto pessoal quanto no profissional. Além disso, recebemos retornos positivos sobre a importância da intervenção, tanto por parte do grupo quanto por parte das coordenadoras das instituições parceiras. Foi possível perceber que as atividades desenvolvidas contribuíram para que tais mulheres tivessem um tempo a mais para cuidarem de si mesmas, sendo acolhidas e incentivadas a compartilharem seus sentimentos, bem como para construírem coletivamente estratégias de promoção da saúde mental e de garantia da dignidade humana.

* Agradecemos a todos(as) os(as) estagiários(as) do Projeto e às instituições parceiras pelo trabalho construído e desenvolvido coletivamente.


Imagem de destaque: Maurilio Cheli/ SMCS

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *