Minorias – Sem Terras?

Dalvit Greiner de Paula

O processo de implantação do Capitalismo passa pela expropriação dos meios de produção e nessa época de pandemia fica muito evidente o que é necessário para a manutenção da vida humana. Todos nós, animais, somos muito frágeis: tampou boca e nariz, está morto! Infelizmente não temos reserva de ar, só de água e energia. Mesmo assim, a nossa fragilidade é atacada pelo Capitalismo lá na sua raiz. E falo de raiz mesmo, da planta. Numa crise como essa que estamos passamos quem nos ajuda é o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.

Da mesma maneira que morrer é fácil, viver não é tão difícil. Nossos indígenas, daquele Brasil século V – e até hoje – vivem muito bem sem hierarquia, sem Estado e outras péssimas invenções que o Capitalismo inventou. Viviam bem naquele período pré-cabralino porque a natureza lhes dava com fartura. Não precisavam disputar comida nem bebida, ou seja, nem energia nem água. Que bom se tomássemos isso como lição agregando esse procedimento aos nossos conhecimentos.

Mas, o Capitalismo sabe muito bem que sociedades com fartura alimentar não trabalham além da necessidade. Não faz sentido acumular comida. Sociedades com fartura não acumulam comida e fazem festas com os excedentes incluindo o tempo que lhes restam da atividade diária. Passeiam, brincam, educam os mais novos promovendo a reprodução social de forma solidária entre si. Assim também é o caipira. Aprendi com José de Souza Martins que o caipira é aquele que vive o tempo da natureza: plantar, cuidar, colher e entre a colheita e o novo plantio reside a festa. A festa é feita com o excedente, porém o que marca esse excedente é o fato de todos já terem reservado sua comida até a próxima colheita. Pensando melhor: os seus meios de subsistência estão garantidos confiando-se na natureza e seus ciclos de renovação. Ainda assim, o caipira vai ao mercado oferecer o que fez de melhor durante aquele ciclo. Lá está ele nas feiras, nos armazéns.

É por isso que para sobreviver o Capitalismo precisava e precisa desmontar essa teia de relações produtivas. Nos seus primórdios tomou a terra dos trabalhadores: na Inglaterra, cercou-a para produzir apenas a lã necessária aos teares da Revolução Industrial; no Brasil, uma lei que dá a propriedade da terra a quem paga pela escritura. Se, no passado essa terra produtiva tornou-se privada pelo dinheiro que apenas uma elite podia pagar ao cartório, hoje ela é tomada por grilagens e documentos forjados. E assim, com variadas formas de expulsão do campo, o Capitalismo foi criando essa minoria denominada Sem Terra. E com ela, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.

Agora, em 2020, em tempos de confinamento como proteção da pandemia descobrimos várias coisas. Dentre elas, é preciso que aprendamos de uma vez por todas: boa parte da nossa comida, quem a produz, é um pequeno agricultor que sobreviveu a tudo o que foi descrito acima e a um assentado do MST. Todos os dias batemos palmas para os médicos, nossa última esperança de vida. Mas, não podemos esquecer nunca que nossa energia diária – nossa comida – vem de trabalhadores marginalizados, chamados de invasores por uma sociedade que acredita que os mesmos tomam terra de pessoas inocentes e invadem propriedades legítimas.

Então, é preciso esclarecer. Um: nenhuma terra é propriedade legítima, de ninguém nem de nenhuma empresa: toda terra cercada e com escritura foi roubada de alguém. Proprietários de terra não são legítimos apenas por possuir um título ou por explorarem um agronegócio (a preocupação do agronegócio não é alimentar pessoas, é ganhar dinheiro!), pois o mesmo compõe a cadeia capitalista de exploração do ser humano; dois: pequenos agricultores e todos aqueles que compõem os grupos de agricultura familiar são pessoas que lutam todos os dias para sobreviver às investidas do capital para oferecer comida para as cidades; três: os “Sem Terra” não são pessoas que não tem o que fazer. São trabalhadores dignos, que tem consciência de tudo aquilo que produzem e enfrentam o Capitalismo na sua raiz: a propriedade da terra.

Uma terra que não provê o povo que nela vive, foi roubada desse povo! Por isso, agradeçamos ao MST e aos pequenos agricultores. A cidade sobreviverá – não apenas durante a pandemia, mas também depois dela – se incorporar a luta pela Reforma Agrária na sua agenda política.


Imagem de destaque: Ricardo Stuckert / Fotos Públicas

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