Militarizando as escolas: dificuldades para uma prática articulada com os Direitos Humanos

Jorge Artur Caetano Lopes dos Santos*

Até 2023 teremos mais 216 escolas militarizadas espalhadas em todo território nacional conforme prevê o Programa Nacional de Escolas Cívico-militares, anunciado pelo MEC essa semana. As primeiras 54 escolas receberão investimento de 1 milhão, totalizando 54 milhões em 2020.

Em fevereiro último, a escola em que eu atuava foi militarizada por uma imposição do Governo do DF. Foram quatro escolas anunciadas. Assim, como outros colegas de trabalho, fui convidado a me retirar da escola, o CED 308 do Recanto das Emas. A despeito de nossa organização e resistência, o modelo da militarização (chamado pelo GDF de Gestão Compartilhada) segue sendo ampliado com o anúncio de mais seis escolas em julho. O governador promete mais dez escolas militarizadas ao fim do ano. Ameaça militarizar mais dez escolas por ano até o fim do governo. Exonerou o próprio secretário de educação quando este defendeu não militarizar duas escolas que votaram contra o projeto, ameaçando com escolas totalmente militarizadas a partir do ano que vem. E o DF está longe de ser um caso isolado. O estado do Goiás que nos cerca vem militarizando escolas há duas décadas. Outros estados também buscam na militarização uma resposta que equacione questões da área de educação.

Em julho, ao me preparar para apresentar minhas considerações sobre o tema, recebi uma enxurrada de mensagens de ex-alunos através das redes sociais. Questionaram-me se eu iria desfazer a militarização da escola, se ia tirar o diretor que entregara a escola de bandeja para a secretaria de segurança, se iria salvá-los. Tristemente, eu tive que avisar a elas e eles, que não poderia fazê-lo. Tentava alertar a quem pudesse para que novas escolas não se perdessem como havia acontecido com a nossa.

Após o recesso escolar do meio do ano, intensificou-se o fluxo de estudantes que deixaram o CED 308 e rumaram para o CEF 113, minha atual escola, próxima da antiga que foi militarizada. Encontrei três que haviam sido meus alunos ano passado e pediram transferência por não aguentar a disciplina imposta e massacrante. “Graças a Deus, eu saí de lá, professor”, me disse um. “Ninguém lá tá mais preocupado com a gente,

professor”, me disse outra. Mas confesso, que ao menos por esses, fiquei feliz. Feliz de tê-los por perto. Mas e os outros mil?

O CED 308 era uma escola com vários problemas até o ano passado: IDEB baixo, falta de professores efetivos com trabalhos de longo prazo no turno da tarde, baixos índices de desenvolvimento humano na comunidade atendida (a periferia dentro de uma cidade periférica do DF), apenas 10% de estudantes atendidos pelo ensino integral, desmotivação de parte do corpo docente, falta de recursos humanos e financeiros para desenvolvimento de projetos. Mas mesmo assim, era uma escola viva.

O CEd 308 possuía um Projeto Político Pedagógico articulado em diálogo com a comunidade. Haviam vários projetos desenvolvidos ao longo dos anos sobre a história da cidade, sobre a produção textual local, sobre carências materiais da comunidade, sobre os interesses artísticos e esportivos de educandas e educandos. Tudo isso foi obliterado pelo avanço de um novo modelo disciplinar que não estava mais interessado na formação de cidadãos atentos aos direitos humanos e ao respeito à diversidade. O próprio governador Ibaneis Rocha taxou tais questões como interesses de “esquerdopatas”. A atenção agora está centrada em pretensos valores cívicos e disciplinadores.

A realidade é ter alunas e alunos vigiados e cerceados em seus direitos fundamentais, assim como professoras e professores. A intenção não é valorizar os potenciais dos indivíduos, mas esmagá-los em uma forma moralista e acrítica. PMs sem qualquer formação e preparo, afastados de suas atividades na área de segurança, cantando louvores em sala, vigiando a postura de educadores e educandos, transformando a rotina escolar com restrições a projetos e a comportamentos. Ao invés de representantes de turmas são escolhidos xerifes. Ao invés de diálogo, aconselhamento e apoio, transferências, camburões e dogmatismo.

Antes, havia uma escola chamada CED 308, cheia de defeitos, que construía e era construída pela sua comunidade de maneira democrática, plural e humana. Hoje, sobre as ruínas dessa escola, ergue-se uma instituição militar de paredes brancas, jovens fardados e disciplina autoritária e acrítica, que paulatinamente vai excluindo as pessoas dessa comunidade.

Resistir e insistir na construção de uma escola democrática permanece sendo a nossa escolha. Cabe-nos oferecer uma experiência escolar plural que acolha a diversidade cultural e a diferentes trajetórias que cada criança, adolescente ou jovem representa.

 

*Doutor em História pela UnB. Professor da rede pública do DF desde 2009, doutor em história pela UnB na área de ensino de história.


Imagem de destaque: Rovena Rosa/Agência Brasil

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