Memórias da Escola 18

Cleide Maria Maciel de Melo

Há pouco assisti o primeiro episódio da série Por que odiamos. Notícias que circularam nas mídiasinformaram que essa produção foi pensada pelo cineasta Steven Spielberg, no tempo em que filmou A lista de Schindler. Cada episódio aborda um ângulo da problemática do ódio, sob a responsabilidade de um diretor e de especialistas no assunto em foco. O primeiro episódio tratou do tema do tribalismo. Frente às imagens, não pude me furtar às lembranças da minha primeira experiência política!

Estava na escola primária, nos idos de 1960. A campanha presidencial havia chegado na pequena cidade onde eu morava, no interior de Minas Gerais: em nossas casas, na minha escola, em minha sala de aula. As duas grandes lideranças na disputa pela direção do país eram Jânio Quadros e o Marechal Lott (meu pai dizia: pronuncia-se “Lote”, mas se escreve “Lott”…). Não sei dizer como, mas de uma hora para outra, minha turma passou a ser constituída por duas “tribos”: espadinhas e vassourinhas.

Nosso uniforme – o das meninas – era composto de saia pregueada com um corpete inteiriço nas costas e alças na parte da frente, azul-marinho. Por baixo, uma blusa branca. Os meninos vestiam calça curta ou comprida, da mesma cor das nossas saias e camisa branca, com bolso. Na campanha presidencial, passamos a exibir, nos bolsos ou nas alças, o botton de uma vassourinha ou de uma espadinha! Não sei dizer como, mas esses símbolos chegaram também à minha cidadezinha…

A vassourinha era o símbolo da campanha do Jânio Quadros que, com ela, prometia varrer a corrupção. A espadinha representava o Marechal Lott, não me lembro porque, ele era das forças armadas e ponto! Eu exibia, orgulhosa, uma espadinha. Meu pai dizia que o Lott era do PSD e o Jânio, da UDN. O primeiro, partido dos trabalhadores, das pessoas do bem; o segundo, partido dos ricos, de pessoas do mal, que só pensavam em si mesmas, não queriam o bem do país. A essas palavras, se juntavam as imagens dos meios de comunicação na época: a revista O Cruzeiro e um jornal, cujo nome não me lembro. O rosto do Jânio mais me parecia o de um louco: cabelos revoltos, óculos de “fundo de garrafa”, olhos esbugalhados. Já o Marechal Lott, ar angelical, pose comedida, uniforme coberto de medalhas. As fotos alimentavam o imaginário construído pela autoridade paterna!

A campanha chegou na escola: lá era o lugar da convivência obrigatória de todos, não tínhamos como fugir… Ou tínhamos? Não olhávamos para nossos “oponentes”, tínhamos gana de avançar e bater, à menor provocação. Não importavam mais nossas alianças anteriores (por exemplo, meninas com meninas, meninos com meninos, vizinhos com vizinhos…). Importava, agora, a posição expressa num símbolo, a força das posições políticas de nossas famílias, o discurso gravado em nossas mentes.

Não me lembro de termos chegado às vias de fato! As freiras, nossas professoras, tinham um modo muito firme, nada sutil e muito eficiente de disciplina: um olhar gélido, penetrante, verdadeira “água na fogueira”, que jogava por terra qualquer desejo mais afoito. Isso não nos impedia de desdenhar, fazer “caras e bocas”, gestos (lembro-me dos janistas fazerem os movimentos típicos de quem está varrendo), longe das vistas de nossa professora. Não sei com que gestos revidávamos. Mas, com certeza, não levávamos desaforo para casa. Também, tínhamos notícias de brigas de faca, nos bares, por conta de divergências na campanha eleitoral.

Hoje penso: Será que odiávamos? Talvez não. Penso, ainda, que nem chegamos a constituir uma tribo. Mas certamente, tínhamos instilado em nossos corpos – mentes e corações – a semente do ódio, a intolerância ao diferente, ao que se distancia das nossas crenças, nossos valores. Se não estivéssemos num ambiente também de “contenção” – a escola – que nos obrigava a um limite, certamente, por causa de Jânio e Lott, iríamos bater muito uns nos outros! Durante aquela campanha presidencial, tivemos que permanecer assentados nas carteiras duplas que ocupávamos desde o início do ano, mesmo que ostentássemos, cada um, bottons distintos…

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Impossível deixar de associar ao tema da escola sem partido, o conteúdo dessas lembranças. Fico pensando na desfaçatez dos que defendem essa proposta, naarbitrariedade, no grande medo de ver “descosturadas”as posições e argumentos que já vieram inculcando, direta ou indiretamente, em crianças e jovens, antes de seu tempo escolar! A escola não pode tudo, mas pode muito!

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… a propósito, foi com muita tristeza que ouvi, no rádio, a notícia de que Jânio Quadros seria o próximo presidente de república!


Imagem de destaque: Composição com imagens de OpenClipart-Vectors/Pixabay

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