Memórias da escola – 13

Cleide Maria Maciel de Melo

O palco foi montado nas imediações da praça mais central da cidade: a da estação ferroviária. A céu aberto, ia acolhendo e projetando todos os números artísticos preparados pelas escolas. Na nossa vez – minha e da minha turma – encenamos a história da Pituchinha. Enquanto eu lia ao microfone, o texto que havia escrito na forma de peça de teatro, com toda a dramaticidade que me era possível, as crianças, no alto do palco, davam vida aos personagens. Em baixo, eu controlava o temor/tremor frente a exposição pública; no alto, as crianças se divertiam!

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Nesse ano, as diretoras dos grupos escolares tinham deliberado fazer uma comemoração coletiva no Dia das Crianças. Como sempre, nós professoras éramos encarregadas de materializar essas decisões. A minha turma de pré-escola (e eu) fomos um dos escolhidos para representar a nossa escola. O que fazer?

Em sala, havíamos trabalhado com a história da Pituchinha e seus amigos Pompom e Polichinelo. Via de regra, quando caiam no gosto da criançada, os projetos ficavam reverberando ainda um bom tempo, depois de encerrados. Resolvemos ampliar essa duração. Eu não estava sozinha com meus alunos, nessa empreitada: contava com a ajuda das minhas colegas de trabalho. Iríamos, então, encenar a história da Pituchinha, as aventuras e desventuras de todos os bonecos e bonecas que se tornavam vivos, enquanto as crianças dormiam…

Começamos por decidir sobre as viabilidades/possibilidades: personagens, cenário, trilha sonora, público… Então, escrevi a peça, adaptando-a à essas condições. Mandamos fazer, de ripas, estruturas de caixas, que foram recobertas com papel colorido (deveriam parecer caixas abertas e abrigar uma criança). Os pais nos ajudaram na caracterização de cada um dos personagens, seus filhos.

Os ensaios foram momentos muito divertidos, engraçados. Entretanto, muitas vezes, tínhamos que ficar bravas por conta de gestos, expressões, movimentos enfim que se afastavam do texto que estava sendo lido (presta atenção, menino!).

No dia da festa, em nossa hora, o palco ficou cheio de caixas de bonecas. Dentro de cada, imóvel, uma criança com sua representação. Lembro-me da emoção que senti, ao vê-las ali, bem quietinhas, aguardando o início da minha narrativa. Sairiam de suas caixas, “aprontariam” e depois, para lá retornariam, quando o dia estivesse amanhecendo…

Depois dessa experiência, não me lembro de ter escrito e encenado peças teatrais com meus alunos. Fazíamos sempre, em sala de aula, as dramatizações que não passavam de “rudimentos”. Todo o aparato, toda a preparação que fez a diferença naquele dia das crianças, pensava eu, não cabia na rotina da sala de aula! Não me ocorria que poderia subverter a lógica dessa convicção aprendida: de que as ordens do teatro e as da dramatização não eram as mesmas!

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Já estava como supervisora pedagógica, quando, numa reunião, a professora de literatura das quintas séries, sugeriu que nos submetêssemos a uma oficina de teatro.

Precisou usar muita argumentação, para convencer a maioria (mas a professora de educação artística logo aderiu!). Contratamos um profissional, um ator, de outra cidade. Por algumas semanas, aos sábados, nessa escola pública (dotada de um grande auditório, com palco e tudo), fizemos atividades práticas de teatro: uma experiência corporal que “embaralhava” a linha do currículo…

Nesses encontros, tivemos como dever de casa, a leitura do livro 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro, de Augusto Boal. Muitos dos exercícios ali propostos foram praticados por nós (muitos, com outras variações advindas da mente fértil do nosso “instrutor”…). Além de nos “obrigar” à experiência de outros modos de comunicação que não a fala, os “exercícios do Boal” se apresentaram como alternativas inusitadas para o enfrentamento de nossos problemas de disciplina com os adolescentes, nossos alunos.

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Às vezes, penso que a sala de aula é como um palco. Ou, se teatralizássemos nossas aulas, nossos alunos aprenderiam mais e melhor. Essas minhas duas experiências “teatrais” no espaço da escola, tão distantes, entre si, no tempo, marcaram minha memória. Não só por elas mesmas: as melhores aulas que ministrei, as que me deixaram com uma sensação de plenitude ao seu término, foram aquelas em que fiz da sala de aula um palco. Nesses momentos, eu era a atriz principal e meus alunos, os expectadores que, muitas vezes, passavam a atuar junto comigo!

 

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