Memórias da escola – 12

Memórias da escola 12

Cleide Maria Maciel de Melo

Por força da sobrevivência, assumi o trabalho de supervisão pedagógica. Assim, passei a ver a sala de aula, na educação básica, sob outro ângulo: o de fora. Mas, não me afastei de todo. Ao mesmo tempo, ampliei minha atividade docente no ensino superior e, nas séries iniciais do ensino fundamental, comecei a dar aulas de demonstração.

Em que consistiam as aulas de demonstração? Uma das funções, como pedagoga, era a de ajudar professores novatos, inexperientes (como tinha sido para mim, um dia…) a planejarem suas aulas. Procurávamos compreender a turma, os alunos, suas dificuldades na aprendizagem, bem como suas necessidades mais gerais, afetivas, físicas, relacionais… Então, pensávamos em como fazer as “intervenções” (ou mediações). Tínhamos um conteúdo a ser ensinado – cuja compreensão não era um problema para a nova professora. Entretanto, quando nos detínhamos em como ensinar, isso, muitas vezes, se apresentava como um problema. Assim, diante da oferta: – Quer que eu demonstre? – quase sempre vinha uma resposta afirmativa.

Via de regra, quando dava aula no lugar da professora regente, sempre dizia aos alunos que estava ali matando saudades da sala de aula, por um favor da professora deles. As crianças não eram bobas e percebiam longe o “cheiro” da insegurança…

O fato é que senti-me confortável durante o tempo passado como supervisora pedagógica das séries iniciais do ensino fundamental. Estava sempre bem próxima das professoras, das crianças, dos pais. Participava dos recreios, entrada e saída das crianças na escola, da organização/realização de festas e reuniões, das conversas animadas na sala dos professores. Ficava mais afastada das questões administrativas, sempre que possível.

Esse tempo durou pouco! Como o concurso que fiz era voltado para o ensino médio (ensino de 2º grau, à época), tomei posse numa escola de 1º e 2º graus (séries finais do ensino fundamental e ensino médio). Foi quando surgiram meus problemas no exercício da função de supervisão pedagógica.

No início, as atribuições do novo cargo pareciam fáceis de serem executadas, tão óbvias eram. No planejamento, aspectos da prática desapareciam sob o “manto” da organização burocrática do trabalho pedagógico, das teorias que o fundamentavam. No papel, tudo parecia fluir em nosso pequeno grupo de supervisoras e orientadores educacionais. Éramos professores já experientes, em todos os níveis de ensino. Mesmo que tivéssemos antecedentes diferentes – escola normal, geografia, matemática – tínhamos em comum a formação em Pedagogia.

As primeiras dificuldades surgiam logo no começo do ano, na confecção do horário de aulas. Cada professor, manifestava seus interesses, sua disponibilidade (talvez melhor dizendo, indisponibilidade, considerando as outras escolas em que trabalhavam, horário de aulas dos filhos, tempo do trabalho das empregadas domésticas em suas casas, no mínimo!). E tinha a sexta-feira! Quem inventou esse dia? Ninguém “podia” ir à escola nas sextas! Assim, compor o horário era como montar um quebra-cabeças. E sem “furo” (quer dizer, sem horário vago)! Difícil satisfazer a todos! Tínhamos, então, que adotar o sistema de rodízio para a ocupação dos dias/horários nobres, bem como daqueles execrados!

Do mesmo modo, também era sempre problemático fazer reuniões, promover o encontro entre pais e professores, organizar atividades extraclasse, refazer o horário às pressas para atender à falta do professor…

O desencanto com a função não tardou: um beco sem saída! A situação se agravava ainda mais, quando começaram a circular as obras que analisavam a função pedagógica (desgarrada da função docente), como um processo de expropriação dessa última. Confesso que sentia muito desconforto. Mas precisava do trabalho… que fazer, então?

Foi quando caiu-me às mãos o livro O educador: vida e morte, organizado por Carlos Rodrigues Brandão e publicado pela Graal. Os escritos deste livro foram falas no III Encontro Nacional de Supervisores de Educação, realizado em Goiânia entre 20 e 25 de outubro de 1980, tal como dito pelo organizador, na “apresentação”. Essas conferências – pronunciadas por Carlos R. Brandão, Marilena Chauí, Paulo Freire, Rubem Alves, Miguel Arroyo, Ildeu Coelho _ procuraram refletir sobre a dimensão política do trabalho pedagógico, a ação do pedagogo como um intelectual, um educador e não um burocrata.

Por um tempo, as palavras ditas pelos filósofos, educadores e cientistas sociais, reunidos n’O Educador: vida e morte, reverberaram em minha mente, apaziguando minha consciência… Mas, aos poucos, foram se distanciando… e a realidade, “imperando”! A cada dia, mais me convencia de que a organização da escola para atender a uma perspectiva democrática, humana, libertadora, precisaria ser outra… Assim é que, antes do final dessa carreira, fiquei contando os dias que faltavam para a minha aposentadoria…

 

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