Memórias 2

Simone Gomes de Araújo

Eu era uma tímida garota que me ruborizava até pra responder “presente” na hora da chamada, feita sempre com voz tão ríspida e alta pela professora a fim de ser ouvida porquase 50 alunos na sala de aula. O que eu gostava mesmo era me refugiar na bibliotecapública do bairro para me aventurar no mundo dos livros, revistas, jornais, fotonovelas, enfim todo e qualquer tipo de escrita.

Lembro-me do episódio ocorrido em uma escola estadual da periferia de Belo Horizonte na década de 80, no 6o ano do ensino fundamental, mas que sempre me vem à memória com contornos tão claros, como se fosse algo recente.

Sempre fui apaixonada por língua portuguesa, não posso dizer o mesmo da professora, que ao mesmo tempo em que me inspirava por seu saber, me causava um temor surreal, por seus métodos nada afetivos de nos “transmitir” seu conhecimento. A tarefa era escrever uma “composição” sem nenhuma orientação prévia sobre qualquer tema, e que poderia ser alguma história que já tínhamos ouvido ou lido.

No dia de levar a tal “composição”, qual não foi minha surpresa ao ver a professora pegar a enorme lista de presença, dizer meu nome e pedir que lesse em voz alta. Respirei fundo e me enchi de coragem, sabia ler muito bem e não tinha dúvidas de que minha composição era muito boa, tinha até um pouco de humor na história que em algum momento da minha infância me foi contada por um dos meus 9 irmãos….

Ao terminar de ler, fui injustamente acusada de não haver escrito o texto; logo eu que nunca tive ajuda nenhuma para fazer as tarefas de casa: minha mãe é analfabeta e meus irmãos nunca gostaram muito da escola. Tentei me defender, mas sempre ouvia aquela voz alta afirmando que eu nãohavia escrito tal texto. Quando além dos gritos, veio um batido forte com as duas mãos na minha mesa e para dar fim àquele desagradável momento, acabei dizendo que não fui eu e diante da afirmativa da professora de que nenhum de nós tinha capacidade para escrever um texto de tal nível, desabei em choro e fui ”consolada” por ela que dizia que o importante era eu ter reconhecido que NÃO fui a autora do texto.

Foram mais alguns anos sendo aluna desta mesma professora, a mais temida de todos os que passaram pela sua sala, e posso dizer que, apesar do episódio, eu a seguia admirando por seu saber extraordinário e que para mim, parecia inatingível.

Catorze anos após este episódio, depois de várias desistências, por vários motivos, e em vários momentos diferentes da minha vida que não caberiam neste relato, eu finalmente consegui terminar o ensino médio em um programa de Educação para Jovens e Adultos e fui aprovada no vestibular de uma das melhores universidades públicas do país.

Um dia, por acaso me encontrei em frente à minha antiga escola com a professora em questão, lhe dirigi a palavra de modo muito educado, ostentando minha camisa com a frase: “LETRAS UFMG”. Fui parabenizada por ela, que me confessou que estudar na FALE foi um sonho que ela não conseguiu realizar.

Atualmente sou licenciada em espanhol pela Faculdade de Letras da UFMG e cursoPedagogia na Universidade Estadual de Minas Gerais, com muito orgulho!

*Este texto integra a série de textos resultantes do trabalho realizado pela professora Daniela Oliveira Ramos dos Passos com a turma do Núcleo Formativo I – 1º Período de Pedagogia (NF 1C) da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE/.UEMG).

Confira o primeiro texto da série:

Memória 1 – Escola


Imagem de destaque: Kelly Sikkema / Unsplash

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