Mantendo a coerência

Dalvit Greiner

Escrevo sobre a noite de 2 de agosto de 2017, mais uma derrota do povo brasileiro por meio de sua Câmara de Deputados: mantiveram um presidente corrupto, prevaricador, imoral e ilegal. Mas, alguém esperava outro resultado? Foi apenas uma questão de números e inversão da resposta “sim” ou “não” já que a pergunta foi formulada de outra maneira. Mas, nossos deputados mantiveram a coerência. É assim mesmo, como diz o ditado: ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Donde se conclui que aquele ladrão que perdoa outro ladrão ganha cem anos para roubar mais ainda. Diretamente, os deputados também compraram o seu perdão e se concederam licença para roubar mais.

Semanas antes, o presidente golpista foi às compras: dois juízes no STE, doze deputados na CCJ e mais uma boa centena de deputados na Câmara Federal. Sua estratégia deu certo. E assim, a Câmara Federal livrou o corrupto golpista usurpador e não nos livrou da vergonha de tê-lo. Não nos livrou da vergonha de ouvir o réu, sicário dos bancos e empresários, afirmar na televisão que o que aconteceu não foi uma vitória sua, pessoal, mas, do Estado Democrático de Direito. E o assassino tem razão: nosso problema é genético, de nascimento e, por isso, mantemos a coerência.

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Senão vejam: de qual Estado falamos? Daquele Estado que Marx definiu muito bem como o guardião da classe dominante. Marx não falou de maioria dominante: falou-nos de classe dominante e hoje, mais que nunca, quem domina são os bancos, a face visível da atual classe dominante. Até mesmo as indústrias e o agronegócio estão representadas no Congresso Nacional mas rezam suas novenas pela cartilha dos Bancos. O capital transnacionalizado é totalmente financeiro e monopolista. O papel do Estado é apenas colocar a Nação para trabalhar e produzir mais riqueza com a mão de obra mais barata possível. O governo reformista de Michel Temer tem apenas essa função. Pauperizar, ao limite, a população trabalhadora. Assim, a eficiência do governo se mostra coerente com a função do Estado.

De qual Democracia nos falou o usurpador? Ora, daquela em que se a contagem e recontagem de votos não garantir um eleito que seja coerente com os desejos da elite dominante inventa-se uma fórmula jurídica – pedaladas fiscais, por exemplo – para rever o resultado e invertê-lo. Sigmund Freud já nos alertava que as alianças são feitas para matar o outro. Portanto, o Partido dos Trabalhadores não soube perceber que quem mandava na aliança capital-trabalho em 2014 era o PMDB. Numa fórmula democrática justa, onde pessoas não votam por necessidade, pois são economicamente livres para decidir, o PMDB não ganha uma eleição sequer. Porém, com sua capilaridade e dubiedade, pois é um partido que serve a tudo e a todos, aceitou a aliança sabendo da sua capacidade de matar a Democracia. E o fez com maestria afirmando que tudo foi feito dentro da lei. Dentro do Estado Democrático de Direito.

E aí a última pergunta: qual Direito? Nossos direitos consignados na Constituição Federal são negados todos os dias, das formas mais cínicas possíveis pelos nossos representantes. Então o Direito de que fala nosso presidente usurpador é o direito comprado em  tribunal cuja balança pende para apenas um lado, e sua espada só é cruel com os pobres e fracos. Aqueles a quem é negado, inclusive, o direito de se defender. Nossa Justiça, célere para libertar os ricos, é extremamente lenta para garantir oos direitos de todos os cidadãos a uma vida digna. Dessa maneira, para manter a sua coerência, nossos tribunais se justificam afirmando cumprir uma lei que não fizeram, apenas cumprem. Porém, com seletividade.

Num verdadeiro Estado Democrático de Direito o melhor exemplo viria do mais alto mandatário. Mas, claro, não estamos falando, atualmente, de alguém com um alto e auto senso ético-moral capaz de tomar iniciativas exemplares, que pudessem e devessem ser seguidas por todos os cidadãos. Um Estado Democrático de Direito não se pauta por uma lei que permite brechas a alguns e barreiras para os demais. Julgamentos políticos devem ser feitos nas urnas. Crimes comuns devem ser levados imediatamente aos tribunais, não à Câmara dos Deputados onde iguais se perdoam, se locupletam e festejam a desgraça de quem lá os colocou em votos de confiança.

 

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