Leitura de domingo

Marileide Lázara Cassoli

Já havia redigido parte de um artigo sobre as cotas universitárias para negros, quando ao folhear a revista Veja dessa semana me deparei com o ensaio de Roberto Pompeu de Toledo “Em honra da alma mestiça do Brasil” acerca do mesmo tema. Observador de nossa realidade, vejo na grande maioria de seus ensaios, semana após semana, colocações objetivas sobre os temas mais variados, sempre pertinentes e por mais que discordemos de suas opiniões jamais podemos dizer que não fomos levados a refletir sobre o que foi escrito.

Por todas essas razões é que decidi reiniciar o que já havia escrito e tomar como ponto de partida o referido ensaio.

A discussão se inicia a partir da narrativa do jornalista sobre o espetáculo que assistiu em São Paulo, Vozes do Holocausto, onde 140 vozes baianas interpretavam em iídiche canções  que os judeus cantavam nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. O espetáculo foi conduzido pelo maestro baiano Cícero Alves Filho, que, após assisti-lo nos Estados Unidos, decidiu montá-lo no Brasil. Com toda certeza foi um privilégio para Roberto Pompeu ter presenciado tal espetáculo, com toda certeza foi tocado pela beleza e tristeza que ao mesmo tempo diz respeito tanto às vozes em si como ao tema, a transformação de pessoas, no caso judeus, em objetos.

Não posso deixar de pensar que a escolha pela execução de tal peça  pelo maestro não foi aleatória. As transcrições feitas no ensaio de alguns pequenos trechos dos versos das canções podem ser facilmente identificadas, embora em período e cultura bastante diversos, com os nossos próprios guetos.

Ao ouvirmos todas essas vozes negras, mulatas e mesmo brancas entoando uma canção que afirma que o gueto “sempre me acompanhará como um eco/ Será sempre esta música triste em meu coração” nos lembremos que o gueto, transcendendo a definição dos bairros exclusivamente judeus durante a guerra, é o local frequentado por minorias, é o local da exclusão e não da inclusão, em um país com diferenças sociais tão marcantes como o nosso, podemos mesmo dizer que o gueto é o local da maioria. Maioria desassistida, cidadãos de segunda classe sem acesso aos direitos básicos que garantem não só a sobrevivência do homem mas a manutenção de sua dignidade impedindo sua transformação em “coisa”, dados estatísticos, números que soam distantes, gráficos coloridos e programas assistencialistas que perdem seu foco humano e se transformam em troféus políticos.

É fácil entender por que as crianças, que só tomaram conhecimento das histórias do Holocausto em função do espetáculo, transmitiram tanta emoção ao cantar: “Eu toco realejo, / Toco com coragem e talento. / Amanhã Treblinka pode chamar / E lá nos transformaremos num monte de cinzas”. Nossos “Treblinkas” transformam dia após dia crianças em cinzas. Escolas deficientes, crianças fora da escola, o envolvimento com o tráfico, os “meninos de rua”, a prostituição infantil, a violência doméstica, tornam efetivamente marginais aqueles que já nasceram à margem. E o País do Futuro? Será construído sobre as cinzas?

Continuando a leitura do ensaio chegamos à questão das cotas universitárias.Os argumentos apresentados a favor são realmente indiscutíveis. Discutível é afirmar que uma das conseqüências do sistema de cotas seria a classificação dos grupos raciais, tornando-os engessados “em entidades separadas e irredutíveis entre si e alimenta sua mútua hostilidade”. Ou não.

Se o racismo norte-americano causa, aos mais sensíveis, repulsa, foram as vivências em uma sociedade explicitamente racista que impulsionaram o negro norte-americano a se organizar e lutar por sua inclusão racial, social e política. As lutas pela extensão dos direitos civis e políticos aos negros nas décadas de 1950 e1960, mobilizaram também grandes parcelas da população branca e se hoje não existe lá uma “democracia racial” plena não seremos nós, criadores da “Lei Caó”, a atirar a primeira pedra.

O reconhecimento da diversidade, racial ou social, pode ser um primeiro passo no sentido de construirmos uma sociedade menos cruel no sentido das oportunidades. Em um país caracterizado historicamente por um processo de concentração de renda e de exclusão racial, fruto de um longo passado escravista e  de uma abolição excludente, a incorporação dos grupos sociais/raciais em termos da igualdade diante da lei e da participação no poder pode levar necessariamente a tratamentos diferenciados por parte do Estado, criando oportunidades específicas com o objetivo de reduzir as desigualdades de escolaridade e consequentemente de renda, ampliando o número de cidadãos de primeira classe.

A solução apontada por Roberto Pompeu de substituir as cotas raciais por cotas para alunos de escola pública não pode ser descartada, afinal pobreza não escolhe cor de pele, mas não podemos nos esquecer que essa coincidência perversa persiste no nosso Brasil. As discussões sobre a necessidade de melhoria do ensino público, principalmente o ensino fundamental e médio, como política de inclusão social não devem tampouco desaparecer.

 Por fim resta uma pergunta: o brasileiro é solidário? Ou não?

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