Jorge Nagle: um credo pedagógico no entusiasmo pela educação

Carlota Boto

Professor Jorge Nagle. Sempre foi assim que me referi a ele, embora eu não tenha sido diretamente sua aluna. Sempre o tratei por professor; até porque ele sempre me considerou sua discípula. Eu o conheci quando ele participou de minha banca de mestrado. Após muitas críticas que ali ele, corretamente, apontou sobre o trabalho que arguira, Jorge Nagle me chamou para várias reuniões, nas quais ele fazia observações página por página sobre quais seriam os méritos e especialmente as lacunas daquela dissertação de mestrado. Ele era um mestre na acepção da palavra! Ensinava por palavras, por olhares, por gestos e expressões… Sim, professor Jorge, nesta vida eu fui sua aluna. E, a partir de então, eu não teria como chamá-lo de outra forma: meu professor.

Na noite de 21 de junho deste ano de 2019, em consequência de uma queda que o abatera uma semana atrás, faleceu Jorge Nagle, em Mogi das Cruzes, onde residia. Nascido em Cerqueira César em 18 de junho de 1929, viveu exatamente 90 anos. Um dos autores de referência da História da Educação brasileira, Jorge Nagle consagrou seu nome com a publicação da tese de livre-docência que defendera em 1966, e que foi publicada pela EPU originalmente em 1974, sob o título Educação e sociedade na Primeira República. Nesse trabalho, Nagle tinha por hipótese a ideia de que o estudo dos assuntos da educação tem de passar por três níveis: a sociedade, o sistema escolar e a dimensão técnico-pedagógica. Essa hipótese foi menos trabalhada do que talvez ele desejasse…

Formado em Pedagogia pela Universidade de São Paulo nos anos cinquenta do século passado, onde foi orientado pelo historiador da educação Laerte Ramos de Carvalho, Nagle era professor de Teoria Geral da Educação da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. Foi figura fundamental na criação da Universidade Estadual Paulista, a UNESP, que gostava de chamar de universidade de todo o Estado de São Paulo. Nos anos 80, foi diretor do Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação (ILCSE/Unesp), em Araraquara, foi Reitor da UNESP, responsável por dar encaminhamento ao período da redemocratização, e foi Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia, no momento em que era conferido às Universidades públicas paulistas o estatuto da autonomia financeira. Grande intelectual, não deixou por isso de ser também um grande homem público.

Após sua aposentadoria, Jorge Nagle dedicou-se com todo seu empenho ao Conselho Superior da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Ali ele encaminharia um projeto educativo que – carinhosamente invocando Dewey – chamava de seu “credo pedagógico”. Por seu sentido de liderança, por sua crença firme nos propósitos educacionais que abraçava, pelo sentido de urgência com que contemplava a vida política de seu tempo, Jorge Nagle era, acima de tudo, um artífice do espaço público na educação.

Embora tenha escrito também sobre outros temas, como o da relação entre linguagem e educação, embora tenha uma obra inédita no campo do que compreendia ser a teoria geral da educação, Jorge Nagle tornou-se célebre como intelectual por sua produção no território da história da educação paulista. Especificamente as categorias operatórias que criou – o “entusiasmo pela educação” e o “otimismo pedagógico” – tornaram-se tipos ideais para a explicação das coisas do ensino entre os anos 20 e 30; seja a busca por expansão das escolas, seja a tentativa de democratizar os métodos de ensino. É claro que a historiografia da educação caminhou e tais ideais reguladores podem ter sido um pouco abandonados à luz de novos paradigmas que passavam a pautar a pesquisa em história da educação. Mesmo assim, não é fácil pensar na educação da Primeira República sem se reportar à obra de Jorge Nagle. Como diria alguém, pode-se ser contra ou a favor da perspectiva de Educação e sociedade na Primeira República, mas jamais se poderá passar sem ela…

Hoje, em um momento político no qual os setores governantes da sociedade fazem pouco caso da educação pública, figuras como Jorge Nagle são particularmente necessárias. Herdeiro dos clássicos do Movimento da Educação Nova, Nagle é contemporâneo do que de melhor a educação brasileira produziu, tanto do ponto de vista teórico quanto no que toca às políticas educacionais. Ele deixa uma trilha a ser seguida. Nos últimos anos, ele comentava da atualidade do Manifesto dos pioneiros da educação nova. Seria o momento de os educadores, mais uma vez convocados, assinarem novamente um documento que pautasse a agenda da educação pública para o futuro?  Jorge Nagle diria que sim. Sua vida faz jus ao verso de Fernando Pessoa (Ricardo Reis):“para ser grande, sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim, em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.” Jorge Nagle, para mim, foi uma referência, um exemplo e um mestre. Até sempre, Professor Jorge.


Imagem de destaque: Reprodução /UNIVESP

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