Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir: uma visita, muitas ideias – exclusivo

Alexandre Fernandez Vaz

A recente polêmica gerada pela inclusão de uma questão no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) que fazia referência ao livro O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, fez lembrar a esperada visita que ela e Jean-Paul Sartre fizeram ao Brasil há cinquenta e cinco anos. A polêmica mostra como lidamos mal com as questões de gênero, mesmo tantos anos depois da publicação do importante livro, em 1949, e de tanta análise e produção reflexiva que até mesmo, em muitos aspectos, o superou. A recente onda de fanatismo ao qual estamos expostos surpreende os que ingenuamente deram como vencida uma batalha cultural que nem sempre é disputada à luz do dia.

Entre 2 de setembro e 23 de outubro de 1960, datas da chegada e da partida, o casal perambulou pelo Brasil e causou um impacto intelectual, político e cultural pouco imaginável hoje. O convite inicial para visitar o país fora feito pelo escritor Jorge Amado, em Paris. Do Brasil, viajaram para Cuba, país que dava os primeiros passos no processo de consolidação revolucionária – algo que finalmente nunca se completou. Sartre e Beauvoir ganharam manchetes e reportagens em grandes jornais, perfis em cadernos de cultura, encontros com intelectuais, artistas e autoridades; proferiram conferências, concederam entrevistas e escreveram textos sobre temas políticos locais, como as desigualdades sociais e a relação entre o campo e a cidade, e internacionais, a exemplo da condição feminina, da guerra de libertação da Argélia, da revolução cubana. Em meio a tudo isso, evidentemente soberano, o Existencialismo.

Estiveram juntos em várias cidades, entre elas Salvador, Recife e Ouro Preto. Em São Paulo, Sartre falou de Crítica da razão dialética, seu livro mais recente, na Universidade Mackenzie, e depois em Araraquara, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, onde viu quase os mesmos ouvintes que estiveram na conferência paulistana. A força do grande intelectual convidava a pegar estrada para ouvi-lo novamente. Beauvoir fez uma concorrida conferência na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), frequentada quase que exclusivamente por mulheres. Entre outras atividades, escreveu um perfil de Sartre para o suplemento cultural de O Estado de São Paulo e foi entrevistada para o caderno feminino do mesmo jornal. A matéria sobre ela abre da seguinte forma, como se pode ler nos valiosos arquivos do Estadão, muito importantes para este texto. Mantenho a grafia original “De Simone de Beauvoir é um dos mais lucidos e interessantes estudos sôbre a condição da mulher: O segundo Sexo, fundamentado no principio de que não existe uma dada natureza feminina mas uma situação feminina imposta.”

Criticando o casamento tal como então se desenhava e o “sonho de cinderela”, Beauvoir afirma que de fato a emancipação da mulher só poderia acontecer a partir da emancipação econômica, quando as possibilidades de trabalho fossem igualitárias. Economicismo? Fetichismo do trabalho? Talvez, mas prefiro assinalar que a transformação das relações de gênero deve ajudar a construir uma nova forma social para além dos interesses mais restritos ao tema.

Se causou furor a visita de Sartre e de Beauvoir ao Brasil, é também porque se vivia tempos sem internet e, portanto, com certa escassez de informações em rápida circulação, mas também porque a ideia mesma de revolução seduzia. Pronunciada pelos existencialistas a defender Marx, devia ser irresistível. Fora isso, os suplementos culturais tinham alguma importância na construção da esfera pública, com textos mais longos e reflexivos, ainda que certamente lidos por não muitos. Hoje esses suplementos estão praticamente sepultados e já nem mesmo os blogs e sites sobrevivem com muita força, derrotados pelas redes sociais.

Quatro anos depois da visita que mexeu com o pensamento local e alimentou sua pauta política, o Brasil encontrou seu destino no golpe civil-militar. Em 1965, Sartre recusaria o prêmio Nobel de Literatura, rompendo radicalmente com o establishment cultural. Com a Universidade, já rompera muito antes, ciente que entre seus muros se pode esperar de tudo, menos a possibilidade de atuação intelectual efetiva, aberta e pública. Livres, corajosos, brilhantes, o que pensariam Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir da Universidade de hoje?

Berlim, Kreuzberg, novembro de 2015.

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