Infâncias em quarentena? Sobre desafios e descobertas

 Larissa Altemar

Babita Faria

Aline R. Gomes

Coletivo Geral Infâncias*

Ao inaugurarmos a nossa colaboração em março, não imaginávamos que o tema inicial, ”a relação entre crianças e mulheres, ganharia outras nuances nas últimas semanas. O coronavírus (COVID-19) nos exigiu entrar na chamada situação de quarentena. De lá pra cá, isolamento, distanciamento, confinamento, álcool em gel, respiradores e máscaras são palavras que tem feito parte do cotidiano de adultos e crianças de todos os lugares do mundo. Sim, do mundo inteiro, desde o mais longínquo destino até o tempo-espaço mais próximo de nós.

Um debate promovido pelo movimento Todos pela Educação divulga dados dos primeiros dias de abril, indicando que 90% dos estudantes do mundo estão sendo impactados pelo fechamento das escolas. Conteúdos virtuais e links destinados às crianças, especialmente manuais “para colorir” ou “saiba como fazer” invadiram a internet. As visitas virtuais, festivais e shows com até 2, 3 milhões de espectadores marcam a emergência das lives como formas de participação em rede e nas redes. Diante disso, como as crianças têm sentido e elaborado este momento de suas vidas, já que a recomendação é que elas fiquem em casa todos os dias?

A medida que as crianças conversam sobre as experiências  em tempos de coronavírus, algumas ideias passaram a nos implicar enquanto um Coletivo que se propõe a discutir as infâncias contemporâneas. Cientes da complexidade da questão, a partir desta edição, traremos uma série de três matérias resultantes de tais reflexões, a serem publicadas semanalmente.

Elegemos, assim, algumas das questões que se sobressaíram em nossas primeiras reflexões: a escuta das crianças e dos adultos e a relação com a escola neste momento; a linguagem do brincar e sua relação com os espaços da casa; as infâncias e as desigualdades sociais cada vez mais evidenciadas neste período.

Com base em um levantamento feito entre os participantes do Coletivo, percebemos que as novas rotinas são construídas com o envolvimento das crianças. Em meio às inúmeras dicas instantâneas, algumas famílias podem se sentir exaustas com a jornada dentro de casa, ainda que as experiências estejam sendo vividas de formas muito diferentes. Presenças, responsabilidades e afetos provavelmente estão sendo ressignificados, ao mesmo tempo em que o contexto vem gerando insegurança, incertezas e adaptações.

Enquanto as famílias ressignificam o cotidiano e experimentam  sentimentos, uma das integrantes do Coletivo relata que seu filho tem manifestado raiva com mais intensidade. Loris Malaguzzi nos instiga a ampliar nossa escuta sobre as expressões das crianças nas limitações de espaço, circulação, materiais e realidade, defendendo que as crianças possuem 100 linguagens ou mais para se expressarem.

Consideramos que o confinamento coloca luz sobre várias questões que dizem respeito ao mundo adulto. Como tem sido ficar com as crianças em casa no tempo que se mostra dilatado? Como tem ocorrido a escuta e o apoio entre adultos e crianças? E as escolas, elas têm se mostrado presentes nas relações familiares, e de quais maneiras?

Como forma de buscar subsídios a tais debates e tendo o Coletivo como um espaço de estudo da Infância, nosso tempo também vem sendo preenchido por pesquisas que veiculam o assunto. Em se tratando das experiências das crianças durante a quarentena, está especial  acompanhar os relatos publicados na Revista Manga de Vento, bem como algumas matérias da mídia geral. Quando o assunto é o interesse dos adultos em falar com as crianças sobre tudo que envolve este momento, não poderíamos deixar de lado a “Carta às Meninas e aos Meninos: em tempos de COVID-19”, uma matéria do Portal Lunetas e a fala  da professora Cris Gouveia (FaE/UFMG) em parceria com a APUBH, além das lives no Instagram do @carretelcultural, @ciapedemoleque, @quintalzim e @aldeiajabuticaba, que trazem poética para o distanciamento. Sobre referências institucionais, estas se encontram mais esparsas, mas destacamos a entrevista com Gina Vieira, bem como a Carta Aberta  escrita pela “Rede Nacional Primeira Infância” e dos pronunciamentos do pessoal da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Em verdade, o que para muitos pode ser entendido como um período em que as infâncias se encontram em situação de quarentena, para nós é singular compreendê-las na perspectiva de que é exatamente neste momento que expressam potências e presenças; um sentido em que as crianças marcam suas posições políticas na dinâmica social em que vivem. Esta noção torna-se primordial para pensar como as infâncias estão sendo atravessadas pela pandemia, na imensidão do território brasileiro. Fica a certeza de que não há respostas prontas e acabadas, em vídeos, lives ou reuniões virtuais. Frente aos desafios e descobertas, a escuta diária e sensível, entre adultos e crianças, parece ser um bom caminho a ser percorrido no momento em que vivemos.


* O Coletivo Geral Infâncias surgiu em 2018 na Faculdade de Educação (UFMG), fruto de pesquisas desenvolvidas por três estudantes da Pós-Graduação, com o objetivo de dar visibilidade à temática da infância por meio do engajamento entre profissionais que atuam em frentes com, para e sobre a criança no território de Belo Horizonte. O grupo transdisciplinar hoje reúne áreas de atuação e pensamento plurais, como Artes, Educação, Direito, Arquitetura e Psicologia, conformando uma rede de integração, suporte e diálogo sobre as crianças em seus variados contextos de vida. Desse modo, constitui uma iniciativa independente para a mobilização na luta pela qualificação dos tempos da infância.

coletivo.infâncias@gmail.com  / Instagram: @coletivogeral

Imagem de Destaque:

Alice Oliveira Pilet e Rita de Cássia O. Guimarães (Montes Claros/MG)

 

 

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