Infâncias e pandemia no contexto da educação remota

Roberta Poltronieri

Com a chegada do chamado Covid-19 na realidade brasileira, as atividades que antes faziam parte da rotina cotidiana das cidades foram modificadas em novos horários e formatos. Instituições públicas e privadas entraram, na medida do possível, em teletrabalho com o uso das tecnologias de informação e comunicação, transformando antigas relações presenciais em relações virtuais.

Nas instituições escolares não foi diferente. Alunos, gestores e professores de todo país se organizaram para desenvolver o processo de ensino e aprendizagem em suas casas. Porém, para convergência do ensino ocorrer entre ambos (professores e alunos) é necessário um amplo debate com dados sobre acesso à internet, equipamentos tecnológicos, rede de apoio a alunos em fase de alfabetização e em quais condições cada um atravessa a pandemia. É certo, que muitas crianças e jovens passarão por situações de luto com a perda de algum membro da família, outras podem estar mais isoladas devido a reorganização familiar e a dinâmica nas tarefas escolares podem demonstrar desde incentivo até a exaustão.

A forma de isolamento social foi utilizada como recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), como prevenção a rápida transmissão do vírus em ambientes compartilhados. Contudo, como vivemos em uma sociedade de diferentes classes sociais, as disjunções que estão surgindo a partir da experiência social transpassada pelo Covid-19 tem feito emergir fissuras sociais que, antes já existentes, agora tornaram-se expostas em outras configurações.

Todavia, uma divisão no campo do trabalho tem ficado clara neste momento: as famílias que podem estar em isolamento social (trabalho home-office) e aquelas que não podem estar em isolamento. Diante disso, as crianças estão vivenciando a passagem do Coronavírus de formas variada. Os profissionais em home-office, desenvolvem rotinas de trabalho programado em casa, ao mesmo tempo acompanham a educação formal (remota) dos filhos. Por outro lado, os trabalhadores informais, como diaristas, terceirizados sem direito a afastamento remunerado e os atingidos pela chamada uberização do trabalho, consolidam desigualdades em um curto espaço de tempo. Por este motivo, a referência sobre o termo infâncias, neste caso, é utilizada para referenciar a experiência social das crianças afetadas de formas diferentes, quando atravessadas por questões como classe social, raça e gênero. (BARBOSA; SANTOS, 2017).

As famílias menos privilegiadas que não podem estar em isolamento, tornam-se mais expostas, pois os filhos desta classe trabalhadora realizam atividades escolares com outro membro vulnerável da família ou até mesmo sozinhos, quando o acesso à internet é possível. Além disso, quando o provedor financeiro da família é uma mulher, ela ainda enfrenta mais um desafio: acumular as tarefas profissionais, atividades domésticas e educação dos filhos, quando mãe. Bruschini e Ricoldi (2009) revelaram que, a divisão dos afazeres domésticos dentro da família entre mulheres e homens ainda é desigual, e que mulheres “chefes de família” utilizam inclusive os finais de semana para darem conta de todos os afazeres da casa e filhos.

Soma-se a isto, ainda, o fato de que famílias com pais ou adulto ajudante da criança, supostamente, com grau de escolaridade baixo pode provocar (no caso de alunos das séries iniciais do ensino básico) certa defasagem no processo de ensino e aprendizagem (DESLANDES, 2009). E, por este motivo, prejudicar a igualdade de condições e acesso ao ensino público como direito previsto LDB 9.394/96 a todas as crianças em idade escolar.

O ensino remoto nas escolas do país vem ocorrendo em diferentes formatos. As ferramentas como WhatsApp, Facebook e plataformas virtuais/televisivas são opções acessadas pelo governo do estado de São Paulo e municípios. Para acessar estas plataformas é preciso ter acesso à internet, e neste ponto, há um entrave à famílias que não possuem este acesso. A pesquisa TIC Domicílios 2017 apontou que a proporção de usuário de internet no Brasil correspondeu a 67% Em 2017, e “usuários com renda de até dois salários mínimo, utilizam a internet exclusivamente pelo celular” (CETIC, 2020, s/p). Em dados preliminares da Unicef TIC Kids Online 2019, demonstrou que “4,8 milhões de crianças e adolescentes brasileiros vivem em domicílios sem acesso à internet”, (UNICEF, 2020, s/p)

Em função destas limitações, o contexto atual pós-pandêmico pode trazer um debate necessário: como ficarão as crianças que não tiveram oportunidades de vivenciar o processo de educação remota de forma integral? Além disso, ao trazer estes questionamentos, é importante levar em conta a dimensão humanizadora que envolve o ato educativo presencial e remoto, que abrange evidentemente; o brincar, imaginar, pensar, desenhar, socializar, comer, vestir e sentir envolvidos a aprendizagem, não se trata apenas de conteúdos escritos.

Por fim, cumpre ressaltar, que as crianças em processo de isolamento sentem a atmosfera social modificada, em vista disso, a Unicef lançou algumas orientações para apoiá-las neste momento. Trata de “Seis formas de apoiar crianças e adolescentes durante o surto de coronavírus/Covid-19” (UNICEF, 2020), e podem ser socializadas com famílias, profissionais da educação e saúde. São elas:

1. Mantenham a calma e a proatividade.

2. Atenham-se a uma rotina.

3. Deixem seu filho ou filha vivenciar as próprias emoções.

4. Verifiquem com eles o que estão ouvindo.

5. Criem distrações agradáveis.

6. Monitorem seu próprio comportamento.

Em resumo, as peculiaridades dos contextos familiares no espaço social integram infâncias diversificadas. Por isso, como educadores, mais que revelar as condições que a educação básica está sendo operada, é importante considerar as vulnerabilidades sociais que afetam milhões de famílias brasileiras neste momento. Assim, o pós-pandemia, será uma oportunidade para avaliações e reflexões sobre a aprendizagem escolar levando em conta seu aspecto multifacetado. Afinal, as crianças têm direitos, são históricas e resistem no mundo com a perspectiva de, assim como nós adultos, ter a vivência de um outro dia e um outro amanhã.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Adriza Santos Silva; DOS SANTOS, João Diógenes Ferreira. Infância ou infâncias? Revista Linhas. Florianópolis, v. 18, n. 38, p. 245-263, set./dez. 2017.

BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha; RICOLDI, Arlene Martinez. Família e Trabalho: difícil conciliação para mães trabalhadoras de baixa renda. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 136, p. 93-123, jan./abr. 2009.

BRASIL. Lei n. 9. 394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.

CETIC. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação.

DESLANDES, Rollande (Org.). International Perspectives on Student Outcomes and Homework: family-school-community partnerships. Londres; Nova Iorque: Routledge, 2009.

UNICEF. Seis formas de apoiar crianças e adolescentes durante o surto de coronavírus/Covid-19.

UNICEF alerta: garantir acesso livre à internet para famílias e crianças vulneráveis é essencial na resposta à Covid-19.


Imagem de destaque: Ação solidária distribui alimentos para famílias na Chácara Santa Luzia, localizada na Cidade Estrutural, em Brasília. Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília.

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