Ilhas umbilicais – entre a manipulação e a in/diferença

Ivane Perotti

“É impossível ensinar sem essa coragem de querer bem, sem a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma desistência.” (Paulo Freire)

A escola enfrentava dias difíceis. No espaço das relações, as tensões dividiam-se. No território dos tempos, as aulas tornavam-se intermináveis. Quatro cantos de uma redoma corrompida pela política dos últimos fatos.

—  Professor, o que é manipulação?

Com um suspiro de confiança, o professor teceu considerações sobre a linha das narrativas históricas, a estrutura das notícias, o papel da mídias, o espaço das comunicações, os interesses por detrás do “dito”, sobre as relações de poder e…

—  Tá, mas você acha que a gente pode perceber quando isso está acontecendo?

A turma do 9º ano, Ensino Fundamental II, falou ao mesmo tempo, como de costume, quando o assunto ganhava-lhes o interesse. Alguns, pelo óbvio desejo de opinar; outros, pela vontade de entender. Deu-se uma conversa. Os diálogos fortaleceram a presença e as vozes nocautearam o “ensimesmamento”. Questão posta na mesa, pesquisa em vórtice frontal: “Todo ato de pesquisa é um ato político. O conhecimento que produzo será usado por alguém. (ALVES, 2000, p. 101). A pesquisa fortaleceu a conversa e girou a chave das diferenças:

—  Professor, o que acha de a gente fazer um seminário para toda a escola?

—  De rocha!

A resposta do professor levou a turma ao delírio. Não pela gíria propriamente dita, mas pelas implicações que fluíam da palavra, destravavam-se, voavam em sonoras ondas de reconhecimento. A palavra é poder. O lugar da palavra é poderoso: tomá-la para si diz de quem fala, diz do lugar daquele que fala e deixa nu o calabouço das crença e dos valores.

Com a parceria instalada, da “rocha” para o continente foi um “pulo”. Quando o solo da cognição é fertilizado pela confiança e pelos sentimentos, a aprendizagem “…salta o vale/o muro/o abismo do infinito”. (DRUMMOND, 1970/2017). Naquele dia preparava-se um grande salto:

O que eu sei, sei com o meu corpo inteiro: com minha mente crítica, mas também com os meus sentimentos, com minhas intuições, com minhas emoções. O que eu não posso é parar satisfeito ao nível dos sentimentos, das emoções, das intuições. Devo submeter os objetos de minhas intuições a um tratamento sério, rigoroso, mas nunca desprezá-los. (FREIRE, 1997, p.31)

—  Esse cara aí é o tal do…do…

—  … cientista das humanidades.

—  Massa!

—  Delas também!

—  Ah! Pró… tá ligado, né?

—  Tá suave!

A suavidade não exige intervalos. Nem se enfraquece diante da indiferença, fruto violento da opressão administrada. Pelo contrário, a força da suavidade está na razão direta de sua constância e resistência. O riso embalou a produção.

—  Papo reto, profe!

—  Sem brava, mano!

Não apenas naquele dia, mas em muitos outros, alguns “umbigos” deixaram a ilha da vacuidade. E deram samba! – relembrando a força do povo africano, e reconhecendo as manipulações que até hoje lhes negam a história de fato e de direito.

—  Tô bolado nessa, profe! Ilhas e umbigos são depressões cutâneas.

—  Pega leve, fi


Referências

ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. 10ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2000.

DRUMMOND, C. de Andrade. Versiprosa. SP: companhia das Letras, 2017.

FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: Cartas a quem ousa ensinar. SP: Olho d’água, 1997b.

Imagem de destaque: Jules Bss / Unsplash

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