Excludente de ilicitude é sinal de incompetência

Dalvit Greiner de Paula

  1. Este é o número de crianças assassinadas pela Polícia Militar do Rio de Janeiro. Quando John Donne, em sua belíssima meditação Por quem os sinos dobram fala-nos da perda de um homem, um só homem qualquer, a dor corrói todo ser humano que se quer pleno de humanidade. O gênero humano, a raça humana é uma só. Mas, veja: John Donne não fala do assassinato de um homem. Ele nos fala da perda. Veja aí:

“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti” (John Donne, 1572-1631).

Considero parte da natureza perder alguém por doença, não provocada por outra pessoa ou um sistema. Contra a natureza não me rebelo, pois sei da natureza da morte. Quando um corpo não consegue mais se curar e o sofrimento se torna algo insuportável a morte é um conforto necessário. Mesmo assim é uma perda. Choramos e sentimos. Portanto, torço sempre para que os hospitais atendam apenas traumas e as pessoas morram de velhice, quando nossos corpos não derem mais conta da cura.

Por outro lado, devemos combater um combate diário contra todos aqueles que cultuam a morte do outro como fonte de prazer. E o nosso combate hoje deve ser cada vez mais acirrado na medida em que a morte das pessoas vem sendo naturalizadas, autorizadas e executadas com a mesma frieza e profissionalismo de uma fábrica nazista dos anos 1940. Os atuais governos tem alvo (negro), planejamento e prêmios. Prêmios por produtividade.

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel acaba de modificar um decreto que premiava a polícia do seu estado pela queda da criminalidade. Ou seja, um decreto que entendia que uma polícia deve promover e buscar a paz entre os cidadãos. O Decreto 41931 de 25 de junho de 2009 previa no Artigo 2º indicadores que permitiam ao Estado monitorar a sensação de segurança pública. E elencava tais indicadores: homicídios dolosos, roubos de veículos, latrocínio e roubos de rua. Uma alteração de 2016 incluiu a letalidade policial nos indicadores com o nome de “homicídio decorrente de oposição policial”. Ou seja, aquele policial que matava em serviço retirava a gratificação de todos do grupo. O site da Polícia Militar do RJ ainda consta a letalidade policial como indicador, pois ainda não foi atualizado.

O governador Witzel alterou o decreto mais uma vez.  Como o “excludente de ilicitude” está momentaneamente paralisado na Câmara Federal (mais uma obra do PSOL sob a liderança do deputado Marcelo Freixo), o governador adiantou-se e deu nova redação ao decreto original retirando a alínea que considerava os crimes dos policiais nas estatísticas para a gratificação. Valem agora apenas os crimes da população.

Isso significa que um policial no Rio de Janeiro não é mais incentivado financeiramente a buscar a conciliação, a paz e a tranquilidade pública. Pelo contrário, o seu incentivo e autorização é para matar mais, na medida em que isso não vai mais interferir no seu salário e no salário dos colegas. Isso vai na contramão da sensatez, do equilíbrio e da inteligência. Quando se fala em excludente de ilicitude ou assina-se um decreto desse teor, fico me perguntando sobre os homens que governam esse país. E aí me vem fortes dúvidas: são humanos? São inteligentes? Alguma vez leram John Donne?


Imagem de destaque: Rovena Rosa/ Agência Brasil

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