Essa chatice que é uma escola sem partido – exclusivo

Dalvit Greiner

Enquanto a discussão em torno do cerceamento da fala dos professores em sala de aula continua, a meninada continua perguntando. O que fazer? Não responder? Aproveito para mostrar aos estudantes o crime de lesa humanidade que querem perpetrar contra eles. Não é contra nós, professores e professoras. É a minha vingança antecipada a uma lei que não podemos deixar passar, mas que é uma excelente oportunidade para discutirmos o sagrado direito natural da Liberdade de Expressão.

Tudo isso começou quando o exercício de nosso livro didático de História trouxe a palavra “demonização” referindo-se à visão do colono inglês em relação ao indígena da América do Norte. A palavra gerou um grande mal-estar nos estudantes. Lê-la significou atitudes de exorcismos linguísticos e uma recusa a continuar aquele capítulo. Porém, alguns mais firmes na sua fé resolveram perguntar o que significava aquilo. Perdoe-me o vereador verde Sérgio Tavares que não consegue ver a beleza que é uma pergunta. Jostein Gaarner já havia nos alertado que as perguntas abrem portas.

Respondi-lhes como sempre gosto de responder. Pensar a etimologia tentando fazer-lhes perceber como as palavras carregam fortes significados e refletem o pensamento e a ação de uma pessoa, um grupo, uma época histórica. Não que a demonização do indígena já tenha acabado. Egon Heck, do Secretaria Nacional do CIMI – Conselho Indigenista Missionário, aponta essa estratégia – “demonizar a causa indígena e seus aliados” – usada pelas CPI’s que buscam “ identificar e punir severamente os culpados por essa barbárie” que são os “milhares de mortes, massacres, extermínios, genocídio, etnocídio” (CIMI) do indígena brasileiro. Claro, a vítima é sempre culpada (de estar ali). Recentemente presenciei o depoimento de um africano da Guiné-Bissau que, após sua conversão à fé cristã, demonizava todas as ações de sua tribo, principalmente as religiosas.

Os alunos perceberam o preconceito de imediato. Expliquei-lhes que o endeusamento (que geralmente só se faz aos brancos) também é uma expressão preconceituosa. E muitas vezes machista. Caminhávamos nessa seara e as perguntas sobre a religião caíam como flechas. A curiosidade foi aguçada e potencializada a partir da palavra. Expliquei-lhes, a grosso modo, pelo curto tempo que é uma aula do ensino fundamental, o surgimento das religiões da bacia do Mediterrâneo. A maneira como as várias culturas que navegaram aquele mar e que se encontravam nos mercados, trocavam mercadorias e ideias, inclusive religiosas.

Lembrei-me de uma aquisição recente. Comprei o livro de Karen Armstrong, antropóloga inglesa e ex-freira. Seu livro Campos de Sangue: Religião e a História da Violência, que venho lendo nestes dias, é uma tentativa de demonstrar que “a religião não é a causa dos nossos problemas”. Logo no início da obra, a autora vai demonstrando como a nossa necessidade de religião dá sentido as coisas que nos rodeiam e por isso tornam-se verdades que serão defendidas até a morte. Nossa ou do outro: não interessa. Assim, a religião não é a causa e muitas vezes, quando consegue conferir sentido à nossa vida, ela é a promotora de diálogos e de tranquilidade. Continuarei lendo e escreverei aqui minhas conclusões.

Fui fazendo-lhes perceber que nosso maior problema é quando qualquer crença – não apenas religiosa – cega as pessoas para uma realidade que vai muito além de suas crenças. Quando se obriga outro a ser o que a gente é sem respeitar-lhe a beleza da sua diversidade e a positividade que os encontros provocam na gente. E que, o único lugar que encontramos todas as opiniões, crenças, modos de ser é a Escola e que por isso ela deve ser valorizada. Por isso devemos discutir cada vez mais. Estudar cada vez mais, pois essa chatice de uma Escola sem partido é uma tentativa de impor um pensamento único sobre eles, os estudantes, ávidos de conhecimento e possibilidades.

Pouco antes, havíamos estudado o Iluminismo. A religião que devia ficar fora do Estado quando se inaugurou o Estado Moderno nunca ficou além da sala contígua. A reação iluminista à ocupação do Estado pelos bispos e cardeais católicos não foi seguida pelos protestantes nos séculos seguintes. Ao contrário, os protestantes também se apropriaram do Estado, cujo melhor exemplo é a Inglaterra de Oliver Crommwell.

Para concluir, deixei claro a eles – e pareceu-me que, em sua inocência, entenderam – que quando a Religião se mistura com a Política temos um grande problema pela frente. Saímos do campo da crença individual, privada e introspectiva para uma ação que retira dos outros a liberdade da crença individual, privada e introspectiva. Ao final, exortei-lhes a que permanecessem fieis à sua fé, que se fortalecessem na sua crença, mas que nunca, jamais, obrigassem outros a aceitar o seu pensamento, o seu modo de vida, nem tomassem suas crenças como verdade absoluta que todos devem seguir. Afinal, ninguém sabe como é o verdadeiro deus. Ou Deus?

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