Escura demais para brilhar? A dimensão educativa da série Self Made

Alexandra Lima da Silva

Modo quarentena ativado. Busco séries e filmes para indicar às estudantes e colegas em tempos de recolhimento. Com forte recomendação da Netflix, decido assistir a web minissérie Self Made. São quatro episódios protagonizados com elegância e excelente atuação de Octávia Spencer, atriz laureada com diversos prêmios e que vem se dedicando a dar visibilidade às      trajetórias de vida de mulheres negras que ousaram ser autoras da própria história, apesar das opressões de raça, classe e gênero.

Self Made é inspirada na vida de Madame C.J. Walker, mulher negra, nascida Sarah Breedlove numa antiga fazenda de algodão do sul dos Estados Unidos pós-abolição do trabalho escravo. Sarah foi a primeira filha de um casal de ex-escravizados a nascer em liberdade. Sarah é considerada a primeira mulher a tornar-se milionária nos Estados Unidos.

Confesso que o título da série me causou um incômodo inicial. Seria o propósito da série enaltecer a ideia de que com perseverança e determinação, todas as pessoas podem brilhar? Certamente uma série produzida pela Netflix não fará uma crítica frontal à cultura do individualismo e da competição que o nutrem e estruturam o capitalismo.

Logo no início da série, a protagonista luta para sobreviver numa sociedade racista e machista. Ela sofre com o abandono do marido, um homem negro que a deixa com uma filha pequena para criar. Sarah tem a autoestima abalada, pois ela acredita que não é uma mulher desejável por causa da sua aparência: ela é uma mulher negra de pele escura e com perda de cabelo. Até que Addie entra em cena, e oferece um poderoso produto que traz o cabelo de Sarah de volta. Mas Sarah sente que é discriminada e explorada por Addie (inspirada em Annie Malone), uma mulher negra de pele clara.

A competição entre Sarah e Addie mostra a complexidade das relações raciais. Enquanto Sarah, uma mulher negra de pele escura é vista apenas como força bruta pela sociedade, Addie é considerada exuberante, desejável. Contudo, são objetificadas e de maneira distinta, ambas sofrem os impactos do racismo. A partir da série, muitas questões podem ser aprofundadas em outras leituras: colorismo, racismo, aceitação, empreendedorismo, sororidade, dororidade, machismo, feminismo, heteronormatividade, capitalismo…

Em Self Made, as mulheres negras não são todas iguais. Elas enfrentam o racismo e o machismo de diferentes maneiras. O empoderamento é praticado de diferentes maneiras. A personagem Sarah é representada como sendo uma mulher de negócios, que mesmo sem ter tido instrução formal e não tendo recebido o apoio de muitos investidores negros, floresceu pelo próprio esforço pessoal, com o apoio de outras mulheres negras.  Ao longo da série, é possível perceber uma transformação na protagonista, que deixa de querer ser uma mulher desejada e passa a ser uma mulher desejante, num processo de tomada de consciência de seu próprio valor e brilho pessoal, sem precisar da aprovação masculina para existir.  Sarah torna-se “Madame C.J. Walker”, uma mulher negra que enriqueceu contando a própria história. Ela também percebeu que mulheres negras são consumidoras e excelentes vendedoras de produtos de beleza. Madame C. J. Walker vendia a ideia de que o empreendedorismo feminino podia elevar a raça. Madame Walker ousou enfrentar intelectuais negros como Booker T. Washington, o qual acreditava que a elevação do homem negro era mais importante que a emancipação da mulher negra e foi reconhecida por intelectuais negros como W.E.B Dubois.

Assim como Ida B. Wells, Madame Walker fez parte de uma geração de mulheres negras que lutou contra a segregação racial e as práticas de linchamento de pessoas negras nos Estados Unidos durante a vigência da Lei Jim Crow. A ascensão social não protegia as pessoas negras do racismo e das várias formas de violência, físicas e simbólicas.

Sem dúvida, “Madame Walker” se movimentou e chegou ao topo da pirâmide.

Não era mais uma lavadeira. Tornou-se a dona da fábrica.

Porém, ao término da série, uma questão ainda me intriga. Afinal, é possível ser feminista e antirracista sem ser anticapitalista?


Para saber mais:

Self Made: Inspired by the Life of Madam C. J. Walker. Netflix, 2020.

XAVIER, Giovana. Segredos de penteadeira: conversas transnacionais sobre raça, beleza e cidadania na imprensa negra pós-abolição do Brasil e dos EUA. Estudos Históricos (Rio J.) vol.26 no.52 Rio de Janeiro jul./dez. 2013.

Fonte da Imagem: Netflix / Divulgação

 

 

 

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