Escassez e má gestão

A água é uma dádiva da natureza ou apenas um $?

Eugênio Magno

O cidadão comum, o consumidor residencial, é constantemente responsabilizado pelo desperdício de água. Os gestores do setor de abastecimento reclamam o ano inteiro da falta de água nos reservatórios e quando as chuvas caem, as cidades não estão preparadas para recebê-las e as empresas que trabalham com recursos hídricos não dispõem de nenhuma tecnologia avançada para coletar melhor e em maior quantidade a água das chuvas. Quando acontecem enchentes e inundações, pobres e moradores das periferias perdem todos os bens que conquistaram ao longo da vida e ficam desabrigados. Como se não bastasse, autoridades públicas ainda têm o desplante de culpar a própria população pelas tragédias, em razão das construções em locais de risco e da falta de destinação correta para o lixo que polui córregos e entope bueiros. Isso é fato. Mas a raiz de tal situação está no modo de produção da vida – o capitalismo – e na forma de administração das políticas públicas, cada vez mais voltadas para interesses privados. As pessoas não têm culpa da falta de emprego e renda, saneamento e moradia. Dão seu jeito, se viram como podem e até onde aguentam.

Nesse início de ano todos têm falado sobre a impureza da água no Rio de Janeiro. Mas em Minas Gerais, a caixa d’água do país, a situação não difere tanto assim do que acontece no Rio. Em várias cidades mineiras, principalmente no Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha, a população sofre com a falta de água para todos os fins e não são poucas as localidades de nosso Estado que há muito tempo seus moradores não recebem água potável para beber.

Esse é o caso, por exemplo, de Pinhões, comunidade rural remanescente quilombola, próxima ao Convento de Macaúbas, a 10 quilômetros de distância do centro histórico de Santa Luzia, cidade pertencente à Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em Pinhões, sitiantes e moradores com mais recursos, além de pagar pelo fornecimento de água da Copasa, compram água mineral para beber e preparar alimentos. Já a população menos favorecida – econômica e culturalmente – contamina-se cotidianamente com a água suja, poluída e escassa (de dois a três dias, ainda que alternados, em cada semana, não há abastecimento no bairro). Quem tem caixas d’água maiores e paga pela água mineral consegue administrar os constantes períodos de desabastecimento, enquanto os demais sofrem a privação.

Há mais de 5 anos um dos poços/reservatórios da região secou, e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais construiu um outro. Mas ao que parece, não foi feito um estudo minucioso sobre a qualidade da água e, tão logo foi iniciado o fornecimento advindo do novo poço, a população detectou a má qualidade da água. Moradores contam que em uma reunião com técnicos da Copasa, as falas dos representantes da empresa eram no sentido de convencer os presentes de que não tinha nada de errado com a água. Todavia, um morador foi até uma torneira próxima, encheu um copo d’água e ofereceu aos técnicos para beber. e como já era esperado, nenhum deles se atreveu a ingerir nem um gole sequer da água oferecida.

Nas primeiras semanas de fevereiro, faltou água em Pinhões por vários dias consecutivos. Ao ligar para a central de atendimento da empresa para saber o que estava acontecendo com o fornecimento, os atendentes diziam que não havia nenhuma informação sobre a falta de água. Até que um morador conhecido de um servidor com acesso aos procedimentos internos da Copasa conseguiu a informação que dava conta de que um funcionário teria se esquecido de abrir novamente o registro que fechara para fazer um reparo no reservatório (sic).

Terá fundamento tal argumentação ou trata-se de mais uma das respostas prontas, constantemente pronunciadas como desculpas estapafúrdias das empresas de economia mista, cuja prestação de um serviço que deveria ser de interesse público vem sendo apenas fachada para interesses privados?

É fundamental que a população discuta com essas organizações os seus modelos de gestão. Afinal, o cidadão é o consumidor final de um “produto” que na verdade é um bem de todos, uma dádiva da natureza. Será que é ele, o consumidor, quem deve pagar e se contaminar pelo uso da água poluída e ainda ser responsabilizado pela má gestão desse precioso recurso natural a cada dia mais escasso?

Para encerrar reitero a inoperância e a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico e sustentável do setor, que continua coletando água do mesmo modo que coletava séculos atrás. Se não, vejamos: o que foi feito com a água das chuvas de janeiro e fevereiro deste ano, em Minas Gerais? À exceção da quantidade que os reservatórios existentes têm capacidade de coletar e armazenar, todo o restante foi para o esgoto.

Não é preciso ser especializado em recursos hídricos para saber de quem é a responsabilidade pela poluição e escassez da água e por todas as tragédias que em todos os anos se repetem aqui e acolá.


Imagem de destaque: Hidrômetro Residencial (Foto: Eugênio Magno).

 

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