Era uma vez, um ser no tempo e no espaço: reflexões sobre as redes educativas nos tempos físico, fisiológico e filosófico

Vagner Luciano de Andrade

Historicamente as áreas naturais do planeta foram humanizadas e degradadas. Exercitando o trabalho educativo em rede, é preciso compreender as conexões sob novas óticas e perspectivas. O presente trabalho propõe um caminho a partir de reflexões sobre os tempos físico, filosófico e fisiológico no entendimento das redes da vida no planeta. A partir de um tempo fisiológico é possível pensar em conexões e redes bióticas. O tempo fisiológico é o mais perceptível na vida humana destacando-se às múltiplas necessidades que o corpo e a vida social impõem sobre os recursos naturais. Elementos naturais de origem animal, vegetal ou mineral se tornam apenas “recursos” a atender a continuidade da espécie e nada mais. Mas a verdadeira “origem” das coisas e sua essência, são devidamente percebidas e compreendidas pelos homens na busca de alimentarem seus múltiplos apetites. Evidente que não, tamanha quantidade de impactos naturais sobre os recursos ainda disponíveis. Compreendido assim, a cabeça, o tronco e os membros deixam de ser apenas compartimentos biológicos com nomenclaturas e funcionalidades indispensáveis ao homem e se tornam também a casa do pensar, do sentir e do agir.

A origem e o destino dos recursos para o uso do homem também são regras tidas como “normais” em Belo Horizonte – MG, localizada numa “depressão” de domínio geomorfológico caracterizado pela ocorrência do granito-gnaisse com destaque para inúmeras pedreiras desativadas e/ou em exploração. Um bom exemplo é o Parque Urbano Mariano de Abreu criado pelo decreto municipal nº 7.394 em 15 de outubro de 1992, porém como não foi efetivamente implantado encontra-se hoje ocupado pela vila Rock In Rio. O abandono de pedreiras, após o término das atividades minerárias também é muito comum na Grande BH, com destaque para a cidade de Contagem.  Em sua paisagem historicamente urbana e industrial, ocorrem o parque urbano da pedreira do Riacho das Pedras e o parque urbano da pedreira de Santa Rita. Abandonadas podem ser compreendidas como partes da rede maior denominada urbe sob dois olhares distintos: o primeiro na perspectiva do problema geológico com a expansão urbana contínua sobres estas áreas, acarretando problemas e prejuízos ambientais para a coletividade e o segundo na perspectiva da solução geológica com a implantação de equipamentos públicos que visem sanar a ausência de espaços de lazer e preservação ambiental. Pensando nas redes de uma rede maior, as pedreiras do Riacho e Santa Rita aguardam ações do poder público e da sociedade. Ações positivas como o Parque das Pedreiras em Curitiba, Paraná, são exemplos de que áreas recuperadas se tornam espaços indispensáveis às redes urbanas e às redes de qualidade de vida de seus entornos.

Canga da Serra do Rola Moça sustentando o relevo. Fonte: Instituto Prístino

Mudando de Tempo e passando para o entendimento de um tempo filosófico pode-se pensar em redes e conexões antrópicas, evidenciando-se nas redes urbanas, a existência do cemitério, necrópole ou sepulcrário. Etimologicamente derivado do latim tardio coemeterium, proveniente do grego kimitírion, a partir do verbo kimáo a palavra denota uma idéia de “fazer deitar”. O sepultamento, um elemento cultural relevante nos primórdios da Humanidade tem origens em questões de redes, como a religião ou a fraternidade. Os antigos “campanários” ou “campos-santos” elucidavam os sepultamentos nos adros e nos interiores das igrejas, evidenciando redes políticas e socioeconômicas de uma época. Porém, a insalubridade nas proximidades dos templos decorrente da falta de espaço gerou mudanças. Os esquifes se acumulavam, causando poluição e transmissão de doenças consolidando impactos na paisagem local. Atualmente, os cemitérios ampliam a taxa de impermeabilização local, assoreiam recursos hídricos superficiais, contaminam solo e lençol freático com o necrochorume, causam erosão e carreamento do solo, além da verticalização e consecutiva “ilha de calor”. Na capital mineira há quatro necrópoles públicas, sendo que duas se destacam pela ausência de vegetação, sendo denominadas de necrópoles. São eles, o Bonfim datado de 1897 e o Saudade construído em 1942. Diferente destes dois há mais dois no formato de parques, o Consolação (1979) e o Paz (1967). Mas há ainda três privados: Bosque da Esperança (1988), o Israelita (1937) e o Parque da Colina (1970). Atualmente através do turismo cemiterial se tornaram locais de visitação e de pesquisa de suas estátuas, das obras, das fotos, dos epitáfios e dos símbolos.

Se os tempos anteriormente abordados remetem à idéia de efemeridade, agora uma projeção se opõe, destacando elementos de perenidade. Fala-se agora do tempo físico, através do qual é possível pensar em redes e conexões abióticas. Quando se trata das mazelas do sistema socioeconômico apontando diretrizes para minimizar ou reverter às projeções dessa situação, destacam-se a Conferência de Estocolmo, o Encontro em Tbilisi, o Relatório “Nosso Futuro Comum”, a Conferência do Rio de Janeiro, dentre outros. Mas poucos conhecem a relevante “DECLARAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS À MEMÓRIA DA TERRA” promulgada na França no ano de 1991.

1 – Assim como cada vida humana é considerada única, não é chegado o tempo de reconhecer também a condição única da Terra.

2 – A Terra, nossa Mãe, é base e suporte de nossas vidas. Somos todos ligados à Terra. A Terra é o elo de união entre todos nós.

3 – A Terra, com quatro bilhões de anos e meio de idade, é o berço da Vida, da renovação e das metamorfoses de todos os seres vivos. Seu longo processo de evolução, seu lento amadurecimento, deu forma ao ambiente no qual vivemos.

4 – Nossa história e a história da Terra estão intimamente entrelaçadas. As origens de uma são as origens de outra. A história da Terra é nossa história, o futuro da Terra será nosso futuro.

5 – A face da Terra, a sua feição, são o ambiente do Homem. O ambiente de hoje é diferente do ambiente de ontem e será diferente também no futuro. O Homem não é senão um dos momentos da Terra. Não é uma finalidade, é uma condição efêmera e transitória.

6 – Da mesma forma como uma velha árvore registra em seu tronco a memória de seu crescimento e de sua vida, assim também a Terra guarda a memória do seu passado… Uma memória gravada em níveis profundos ou superficiais. Nas rochas, nos fósseis e nas paisagens, a Terra preserva uma memória passível de ser lida e decifrada.

7 – Atualmente, o Homem sabe proteger sua memória: seu patrimônio cultural. O ser humano sempre se preocupou com a preservação da memória, do patrimônio cultural. Apenas agora começou a proteger seu patrimônio natural, o ambiente imediato. É chegado o tempo de aprender a proteger o passado da Terra e, por meio dessa proteção, aprender a conhecê-lo. Essa memória antecede a memória humana. É um novo patrimônio: o patrimônio geológico, um livro escrito muito antes de nosso aparecimento sobre o Planeta.

8 – O Homem e a Terra compartilham uma mesma herança, um patrimônio comum. Cada ser humano e cada governo não são senão meros usufrutuários e depositários desse patrimônio. Todos os seres humanos devem compreender que a menor depredação do patrimônio geológico é uma mutilação que conduz a sua destruição, a uma perda irremediável. Todas as formas do desenvolvimento devem respeitar e levar em conta o valor e a singularidade desse patrimônio.

9 – Os participantes do 1° Simpósio Internacional sobre a Proteção do Patrimônio Geológico, composto por mais de uma centena de especialistas de trinta diferentes nações, solicitam com urgência a todas as autoridades nacionais e internacionais que levem em consideração a proteção do patrimônio geológico, por meio de todas as necessárias medidas legais, financeiras e organizacionais.

Este importante documento traz considerações acerca de um patrimônio geológico, de todos que precisa ser compreendido como parte de uma rede planetária. O patrimônio geológico estabelece relações com toponímia, com o lugar, com a paisagem agregando identidade e pertencimento. Pelo patrimônio geológico notam-se ações e sentimentos como topofilia, topofobia e topocídio. O patrimônio geológico pode se tornar a gênese, a condicionante de um território, de uma região, de um espaço, se tornando elemento da cultura dos povos, perpetuado a partir da memória e da oralidade destes. O patrimônio geológico é testemunha de um tempo maior, elucida fatos de uma história única e empreendida pela ótica da rede. Enfim patrimônio geológico e homem enquanto agentes históricos, indissociáveis em novas redes inovando, se descobrindo e se redescobrindo.  Por último ao compreender rede, tempo e patrimônio defende-se a necessidade de uma nova perspectiva de educação que por sua vez gere desenvolvimento ecológico e social.

Serra do Rola Moça. Foto: Tiago Degaspari/ Parque estadual da Serra do Rola Moça

Para saber mais

Geociências USP – IGC/USP

Declaração Internacional dos Direitos à Memória da Terra – Patrimônio Geológico e Geoconservação

Geoturismo – Geodiversidade na Educação

Imagem de destaque: WikiImagesPixabay

  http://www.otc-certified-store.com/analgesics-medicine-usa.html https://zp-pdl.com/get-a-next-business-day-payday-loan.php https://zp-pdl.com/get-a-next-business-day-payday-loan.php

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *